ARTIGO PSJ

Os Desafios para Proteção de Intangíveis no Brasil

Portela Soluções Jurídicas

Escritório de Advocacia

1. Introdução | 2. Valorização: um motivo adicional para proteger | 3. Marcas | 4. Trade dress | 5. Patentes | 6. Direitos Autorais | 7. Programas de Computador | 8. Conclusão


  1. Introdução


Proteger o que é nosso é algo que sempre nos move. Nosso carro, nossa casa, nossa empresa, o direito nos proporciona instrumentos dos mais variados para a proteção de nossos bens.

Os tangíveis, com os quais temos mais familiaridade, possuem institutos que já são comuns nas relações pessoais e comerciais. Mas e os bens intangíveis? Aqueles que não podemos tocar, pegar, estes são talvez dos mais importantes bens a serem protegidos, com crescentes índices de valorização e hoje um diferencial de mercado.

São exatamente esses bens que o ramo da propriedade intelectual visa estudar e proteger, as criações de espírito, as criações da mente humana, a externalização das ideias. Contudo, apenas através de sua externalização é que essas ideias são passíveis de proteção, mesmo que nem sempre saibamos dessa possibilidade.

Uma simples garrafa de refrigerante, por exemplo, pode ter proteção simultânea por marca, desenho industrial, trade dress, direitos autorais e segredo industrial. As possibilidades vão muito além do que pensamos.

Richard Posner, que chegou a ser Chief Justice da Corte de Apelação dos Estados Unidos, e um dos expoentes mundiais em Análise Econômica do Direito, em decisão no caso Rockwell Graphics Sys., Inc. v. DEV Indus., Inc., reconhece a necessidade e relevância da proteção previstas em tal ramo do direito:

the future of the nation depends in no small part on the efficiency of industry, and the efficiency of industry depends in no small part on the protection of intellectual property

Conforme será visto adiante, o desenvolvimento da indústria e comércio, de um país, em si, tem relação direta com a valorização interna e eficiência da proteção da propriedade intelectual, especialmente em tempos de aprofundamento dos serviços e produtos digitais.


  1. Valorização: um motivo adicional para proteger


Existem diversos motivos para proteção de um ativo intangível. A principal, e mais conhecida, é a exclusividade de uso de um determinado ativo, o monopólio dado pelo Estado para impedir terceiros de fazerem uso deste ativo durante um determinado período.

Através do registro desses ativos perante órgãos oficiais, a titular dos direitos pode se resguardar, também, contra o assédio de terceiros, evitando ser alvo de ações judiciais da concorrência que tentem minar o seu legítimo interesse em utilizar determinado bem, mitigando os riscos de ter o exercício de seu negócio interrompido por decisão liminar sob pena de pesadas multas diárias.

Diante da ausência de cultura da proteção da propriedade intelectual no Brasil, alguns aspectos vantajosos em tal segmento ainda passam, contudo, despercebidos. De acordo com dados da S&P 500, índice composto pelos quinhentos ativos cotados nas bolsas de NY ou NASDAQ, em 2020, o percentual de empresas cujos valores eram compostos por bens intangíveis já atingia 90%.


São valores significativos que apontam para uma tendência de valorização de tais tipos de bens. O carro, a máquina, o petróleo, tais ativos continuam a ter o seu valor, mas a propriedade intelectual envolvida na patente da máquina, nos componentes de fabricação de um carro, e na extração do petróleo, além de tantos outros, estes passam a ter cada dia mais o seu valor reconhecido.

E um exemplo de tal reconhecimento pode ser visto na lista de empresas de maior valor de mercado. Dentre as listadas em ranking elaborado pela Forbes, a vasta maioria é de empresas cujos ativos intangíveis, protegidos por propriedade intelectual, se destacam:


E que bens seriam esses? Marcas, patentes, direitos autorais, esses são alguns dos mais conhecidos bens protegidos através da propriedade intelectual, mas temos diversos outros que estão constantemente presentes, mas nem sempre sua proteção é tão visível.

O segredo industrial da fórmula da Coca-cola, com um valor estimado em 70 bilhões de dólares, se mantém protegido por uma série de contratos, além da divisão da fórmula em diversos cofres de bancos. Inclusive, a empresa chegou a ser alvo de espionagem industrial, o que a motivou a tomar ainda mais medidas protetivas. No episódio, o segredo referente à fórmula de seu principal produto foi salvo pela sua maior rival, a Pepsi. Quando os executivos da Pepsi receberam carta com proposta de venda da fórmula, contataram diretamente o FBI para resolução do caso. Um exemplo de competição justa entre rivais que se alfinetam em diversas propagandas comparativas pelo mundo.


  1. Marcas


Toda empresa, todo serviço, todo produto, um dia vai ser lançado e, nesse momento, já nasce com um ativo intangível, um bem de propriedade intelectual, a sua marca.

As marcas são dos bens com procedimento mais simples e custos mais baixos para proteção. Uma diminuição recente no backlog de análise de marcas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial reduziu de 36 para 12 meses o intervalo entre o pedido de registro de uma marca e a sua concessão. Uma redução significativa no tempo de espera para proteção desses bens que podem chegar a valores astronômicos. Dentre as 10 marcas mais valiosas da América Latina, quase metade é de empresas brasileiras e suas marcas chegam a valer bilhões de dólares, conforme relatório da Brand Finance em 2023:


Todas as principais marcas brasileiras, conforme se verifica do relatório abaixo, possuem valor bilionário, e tem como titulares empresas que se destacam exatamente por serem empresas que investem e tem vigilância constante na proteção de seus ativos de propriedade intelectual:


Diante de um entendimento cada vez maior, no Brasil, do valor das marcas como ativos de empresas, o número de depósitos de pedidos de registro de marcas no país, que até 2017 vinha acompanhando a tendência e volume da União Europeia com cerca de 200.000 pedidos de registro anuais, deu um salto em 2022, atingindo mais de 385.000 pedidos de registro, devendo chegar, em 2023, a cerca de 430.000 requerimentos para proteção de marcas!


É indispensável que haja uma análise crítica de tais números. Apesar de apresentar menos pedidos de registro do que o Brasil, a União Europeia (EUIPO) possui sistema de registro multiclasses, ou seja, cada pedido de registro pode cobrir uma ou mais classes marcárias (divisão administrativa de produtos e serviços a serem protegidos pela marca), ou seja, um único pedido de registro para uma marca de roupas, por exemplo, já incluiria a proteção da classe 25 (vestuário) e da classe 35 (comercialização de roupas).

Tal ferramenta administrativa, no entanto, ainda não está disponível no Brasil, o que explica, em partes, a diferença entre o volume de pedidos de registro de marcas no Brasil (INPI) e no EUIPO, apontados na tabela acima.

Apesar da ressalva, os números de pedidos de registro no Brasil são bem positivos, demonstrando um constante aumento no número de pessoas e empresas que seguem com a proteção de seus produtos e serviços através do direito marcário, o que é muito bom para o país, mas não deixa de ser um ponto de atenção para as empresas nacionais.

A não proteção de signos distintivos pode levar a surpresas. Como no Brasil a proteção só é válida após o registro da marca perante o INPI, a falta de conhecimento especializado do judiciário, junto à falta de medidas preventivas e protetivas por parte do empresariado, já levou a diversos casos em que determinada empresa é intimada de decisão liminar determinando que esta pare de utilizar uma determinada marca da noite para o dia, sob pena de multas altíssimas.

Com o aumento no número de empresas protegendo suas marcas, as chances de alguma empresa do mesmo segmento mercadológico registrar um determinado sinal, semelhante a outro, já usado e não protegido adequadamente, aumentam significativamente.

A prevenção, quando se trata de propriedade intelectual, é ainda mais essencial!


  1. Trade dress


O trade dress, instituto menos conhecido, é, nas palavras de José Tinoco Soares:

“a exteriorização do objeto, do produto ou de sua embalagem, é a maneira peculiar pela qual se apresenta e se torna conhecido. É pura e simplesmente a “vestimenta”, e/ou o “uniforme”, isto é, um traço peculiar, uma roupagem ou maneira particular de alguma coisa se apresentar no mercado consumidor ou diante dos usuários com habilidade.”

Ou seja, apesar de se assemelhar ao instituto das marcas, o trade dress é uma proteção que se refere a um conjunto maior de características: o alinhamento de cores, disposição de letras, elementos gráficos, até a arrumação específica de uma loja, o look and feel, protegidos por propriedade intelectual.

Um caso clássico e didático, inclusive, é o que envolve a empresa de vestuário e calçados Mr. Cat. Em meados dos anos 2000, o presidente da empresa se deparou com uma loja chamada Mr. Foot, em um shopping de Goiânia, com clara cópia do trade dress da Mr. Cat, da tipografia utilizada para a marca ao saco de embalar os calçados e forma de organização da loja, tudo havia sido copiado. Apesar de ser um instituto pouco conhecido à época pelo judiciário nacional, em 2003 este caso foi decidido a favor da Mr. Cat e terminou virando referência na proteção de trade dress, ainda incipiente no Brasil.

Em uma perspectiva mais local, em 2004, a cadeia de restaurantes Spoleto ganhou ação movida contra o restaurante Julietto, o qual imitava a configuração visual, arquitetônica e operacional da rede de massas.


  1. Patentes


Já as Patentes, ao contrário das marcas, apontam índices preocupantes e, inclusive, até um pouco vergonhosos de serem apresentados. A proteção, que tem validade por 20 anos, também se dá através de processo perante o INPI, com procedimentos um pouco mais complexo, mas que não justificam índices tão baixos de pedidos de patente.

No ano de 2022, foram pouco mais de 24.000 pedidos de patente, em sua enorme maioria requeridos por empresas estrangeiras buscando proteger suas invenções no Brasil, frente aos quase 200.000 pedidos na União Europeia e 600.000 dos Estados Unidos.


São índices preocupantes, ainda mais, quando notamos que, desde a década de 80, os números do Brasil não vêm mostrando reação, sem qualquer aumento significativo.

A Bina, famoso identificador de chamadas, foi inventada por um brasileiro, o engenheiro eletrotécnico Nélio José Nicolai, o qual faleceu em 2017 sem nunca aproveitar os frutos de sua invenção.

Outra invenção peculiar é o câmbio automático, também inventado por um brasileiro. Segundo relatado na biografia do escritor Paulo Coelho (“O Mago”), depois de ter desenvolvido uma transmissão automática com fluído hidráulico, em conjunto com Fernando Lemos, José Braz Araripe, tio-avô do escritor, teria ido a Detroit apresentar o seu invento à gigante do setor automobilístico General Motors, na década de 30. A empresa terminou se interessando pelo projeto dos brasileiros e propôs duas ofertas: US$ 10.000 à vista ou royalties no valor de US$ 1 por carro vendido com esta tecnologia. Sem patente e conhecimento do potencial financeiro de tal invenção, José escolheu a primeira opção.


  1. Direitos Autorais


Livros, revistas, filmes, seus títulos e seus personagens, novelas, músicas... A externalização de ideias, da criatividade, esse é o objeto de proteção dos direitos autorais.

A sua simples exteriorização, fixação, dá vida ao direito, independente de registro. Isso é bem importante, mas, também, significa que os autores precisam ter ainda mais cuidado na proteção de suas obras, especialmente diante da necessidade de se definir quando determinada obra foi criada, o que pode ser bem definido através de registros específicos, na Biblioteca Nacional, para desenhos, por exemplo, ou através da produção antecipada de algumas provas, a serem utilizadas em eventuais conflitos judiciais.

A análise da abrangência e limites dos direitos autorais, no entanto, é muito subjetiva e varia de caso a caso, sendo mais complicado estabelecer um padrão a ser seguido. Seja na produção de vídeos ou na criação de uma música, sempre haverá espaço para a subjetividade.

Um caso famoso é o da ação proposta contra Dan Brown por suposta cópia da obra Holy Blood Holy Grail. Esse livro, lançado no início da década de 80, trazia trama um tanto semelhante à do Código da Vinci. Apesar de não ter feito tanto sucesso, a obra trazia questionamentos que, de fato, em termos de ideia, se assemelhavam aos do best-seller de Dan Brown. Todavia, como decidido pelo judiciário inglês, ideias, teorias e fatos históricos, em si, não possuem proteção por propriedade intelectual, devendo, para se caracterizar a cópia da obra (plágio), ter sido copiado um trecho significativo dela, o que não havia acontecido.

Apesar de ter seguido todos os procedimentos e precauções para proteção de sua obra, ainda assim Dan Brown foi alvo de ação judicial, pois, pelo entendimento dos autores de Holy Blood Holy Grail, havia cópia substancial de seu livro, ainda que não reconhecida posteriormente pelo judiciário. No direito autoral impera, mais uma vez, a proteção preventiva, mitigando-se os riscos através de relações contratuais e análise criteriosa de possíveis infrações de direitos. Mas nunca se estará 100% isento da interpretação de outros autores.


  1. Programas de Computador


Não menos importante, na verdade, cada vez mais importante, é a proteção dos programas de computador. Uma proteção sui generis, única em si. Não temos nada que proteja, diretamente, o programa de computador como um todo. A melhor alternativa termina sendo sempre a multi-proteção.

A partir do nascimento do programa de computador, já existe proteção através de direitos autorais, mas só de seu código fonte. Por mais que não proteja a experiência do usuário, o look and feel do programa, tal proteção já rendeu à Apple, por exemplo, vitória na justiça no caso Apple Computers vs Computer Edge, ao ter identificado pequenas pegadinhas escondidas no código fonte que comprovaram a cópia significativa do elemento “textual” do programa de computador.

Adicionalmente, o programa de computador pode ser protegido por marcas, por patentes, caso o software apresente soluções técnicas para problemas técnicos, ou por desenho industrial, além de outras formas de proteção de direitos autorais referentes ao design apresentado por cada programa. Entende Gabriel Di Biasi, no que se refere à proteção complementar da aparência externa de um software em um website, que:

A legislação brasileira sobre desenhos industriais não prevê restrições com relação à proteção de web designs. Quanto aos ícones e fontes, esses podem ser protegidos por desenho industrial como um padrão ornamental de linhas e cores que podem ser aplicado a qualquer produto, incluindo websites, telas de telefones celulares, media player, digitais portáteis como disco rígido, tal como Ipod.”

A diversidade de proteções, inclusive, passa por segredos industriais, como os algoritmos da Google, e proteções contratuais específicas.

No Brasil, o INPI aceita o registro de programas de computador em seu banco de dados. Apesar de não fazer julgamento de mérito, esse tipo de proteção pode ser bem interessante, sendo utilizado como forma de produção oficial de provas, já que o programa fica armazenado com a data em que foi registrado e essa informação, essa anterioridade, pode ser muito bem utilizada em eventuais disputas judiciais.

Segundo Andrew Murray, “Proteger produtos de softwares vem se provando como um dos maiores problemas da sociedade informacional, um problema que ainda teremos que lidar plenamente.” . O que se percebe é que, individualmente, a proteção dada por direitos autorais, desenho industrial, patente e direito marcário, não se mostram suficientes para os programas de computador, sendo a sua aplicação conjunta a melhor solução para proteger todos os aspectos do software.


  1. Conclusão


Os números trazidos comprovam que há um avanço na proteção de ativos intangíveis no Brasil, mas o desconhecimento da necessidade, dos mecanismos adequados e das vantagens competitivas advindas de uma correta defesa destes direitos ainda servem como barreira para a evolução do país neste segmento.

Em tudo se tem direitos de propriedade intelectual, devendo o titular destes direitos se manter atento aos formatos adequados para sua proteção e consequente valorização, uma vez que estes ativos podem, em algum momento, ser licenciados ou comercializados pelas empresas, salvaguardando as mesmas em eventuais disputas contra terceiros e, em especial, contra seus concorrentes, sejam eles nacionais ou estrangeiros.

Dentro de toda empresa sempre haverá ao menos um bem de propriedade intelectual aguardando pela adequada proteção, agregando valor à empresa, sendo necessário o trabalho e a análise por olhos treinados e habituados com tal área do direito para a criação da melhor estratégia em cada caso.


Bibliografia

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