ARTIGO PSJ

Responsabilidade Conjunta entre Vendedor e Comprador por Dívida Condominial: Aspectos Legais e Jurisprudenciais à Luz da Revisão do Tema 886 do STJ

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Escritório de Advocacia

1. Introdução | 2. Natureza da Obrigação Condominial e Regras do Código Civil | 3. Entendimento Jurisprudencial Consolidado: Tema Repetitivo 886 do STJ| 4. A Revisão do Tema 886: Redefinindo a Responsabilidade| 5. Fundamentos para a Responsabilidade Conjunta | 6. Consequências Práticas da Redefinição Jurisprudencial | 7. Perspectivas de Evolução do Entendimento | 8. Conclusão

1. Introdução

O inadimplemento das taxas condominiais é um dos principais fatores de desestabilização financeira dos condomínios, comprometendo sua manutenção e a prestação de serviços essenciais. Em razão disso, é relevante compreender quem deve responder legalmente por essas obrigações quando ocorre a alienação de unidade autônoma: o vendedor, que ainda figura como proprietário no cartório de imóveis, ou o comprador, que detém a posse e usufrui do bem?

Esse questionamento ganha ainda mais importância diante da iminente revisão do Tema Repetitivo 886 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que poderá alterar significativamente o entendimento hoje aplicado aos casos em que a transferência da posse ocorre sem o registro da propriedade.

2. Natureza da Obrigação Condominial e Regras do Código Civil

A obrigação condominial tem natureza “propter rem”, ou seja, decorre da titularidade de um direito real sobre o imóvel e não de uma relação contratual pessoal. Isso significa que, em regra, o proprietário do imóvel responde pelas obrigações condominiais vinculadas à unidade, independentemente de quando tenham sido constituídas.

A base legal encontra-se nos seguintes dispositivos:

· Art. 1.336, I, do Código Civil: impõe ao condômino o dever de contribuir com as despesas do condomínio, na proporção da sua unidade.

· Art. 1.345 do Código Civil: estabelece que o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, inclusive multas e juros de mora.

A interpretação conjunta desses artigos sugere que a obrigação recai sobre o atual titular do domínio, ainda que os débitos sejam anteriores à sua aquisição, sem prejuízo do seu direito de regresso contra o antigo proprietário.

Todavia, quando a alienação não é formalizada no Cartório de Registro de Imóveis, surge uma zona de incerteza jurídica: quem deve ser cobrado — o vendedor, ainda titular registral, ou o comprador, que exerce a posse e utiliza a unidade?

3. Entendimento Jurisprudencial Consolidado: Tema Repetitivo 886 do STJ

Em 2018, o STJ enfrentou a controvérsia e fixou entendimento no Tema 886, no sentido de que:

"O promitente comprador, na posse do imóvel, com obrigações contratuais próprias de condômino, é parte legítima para responder por débitos condominiais posteriores à imissão na posse, desde que haja ciência inequívoca do condomínio a respeito da transação."

A tese fixada pelo STJ no referido Tema 886 buscou equilibrar o direito do condomínio, que deve poder cobrar de quem efetivamente utiliza o imóvel, com a segurança jurídica do registro público. Nessa linha de raciocínio, entendeu-se que o comprador pode ser responsabilizado pelas obrigações condominiais desde que haja ciência inequívoca de sua posse pelo condomínio – o que pode se dar, por exemplo, por meio da apresentação de contrato, reconhecimento em assembleia condominial ou outros atos que evidenciem a transação.

4. A Revisão do Tema 886: Redefinindo a Responsabilidade

A 2ª Seção do STJ decidiu revisitar o entendimento anterior, estabelecido no Tema Repetitivo 886. A nova controvérsia repetitiva visa a responder a seguinte pergunta:

“Definir se há legitimidade concorrente entre o promitente vendedor, titular do direito de propriedade, e o promitente comprador para figurar no polo passivo da ação de cobrança de débitos condominiais posteriores à imissão do comprador na posse, independentemente de haver ciência inequívoca da transação pelo condomínio.”

Ou seja, pretende-se saber se o condomínio pode ajuizar ação contra ambos — vendedor e comprador — ainda que não tenha sido formalmente informado da transação ou da imissão na posse.

Para tal reavaliação foram selecionados dois recursos que representam a controvérsia, o REsp 2.015.740 e o REsp 2.100.395, tendo como relatora a ministra Isabel Gallotti.

Se acolhida a tese da legitimidade concorrente, a jurisprudência passará a admitir a responsabilidade conjunta e solidária de ambos os envolvidos, ampliando o leque de possibilidades para o condomínio cobrar os valores devidos e aumentar suas chances de recuperação do crédito.

5. Fundamentos para a Responsabilidade Conjunta

A possibilidade de responsabilização conjunta pode ser sustentada por diversos fundamentos jurídicos e sociais:

· Teoria da aparência: o comprador que assume a posse do imóvel e se comporta como condômino (realiza obras, recebe notificações, participa de assembleias) cria para terceiros — especialmente o condomínio — a aparência de legitimidade. Assim, pode ser responsabilizado mesmo que não haja ciência formal da transação.

· Proteção ao crédito condominial: a jurisprudência deve privilegiar a sustentabilidade financeira do condomínio, permitindo que a cobrança recaia sobre quem efetivamente se beneficia da coisa ou tem responsabilidade registral sobre ela.

· Solidariedade implícita: ainda que a solidariedade não esteja expressamente prevista, o STJ já reconheceu que, em certas relações jurídicas, ela pode ser presumida, sobretudo quando há comunhão de interesses e incerteza sobre a titularidade.

6. Consequências Práticas da Redefinição Jurisprudencial

A possível revisão do entendimento trará implicações relevantes para todos os envolvidos:

· Para os condomínios: a ampliação da legitimidade passiva facilita a cobrança e reduz os riscos de inadimplemento, uma vez que a ação poderá ser proposta contra o promitente comprador, o vendedor ou ambos, aumentando as chances de sucesso na recuperação do crédito.

· Para os promitentes vendedores: surge o risco de serem responsabilizados por dívidas geradas após a entrega da posse, o que os obriga a adotar medidas preventivas, como:

a) formalizar a venda com cláusula de assunção de despesas condominiais;

b) registrar a promessa de compra e venda;

c) comunicar oficialmente ao condomínio.

· Para os compradores: mesmo sem registro da propriedade, poderão ser cobrados judicialmente apenas por estarem na posse, devendo também se precaver e:

a) regularizar o registro o quanto antes;

b) formalizar a imissão na posse;

c) comunicar ao condomínio sua condição de possuidor.

· Para os advogados: a revisão exigirá reavaliação na definição do polo passivo das ações de cobrança e atenção redobrada ao reunir documentos para comprovar a legitimidade da parte acionada judicialmente.

7. Perspectivas de Evolução do Entendimento

A tendência do STJ é de alinhar a jurisprudência à realidade social dos condomínios, buscando proteger o coletivo frente ao comportamento omisso ou negligente das partes na formalização da transação. A responsabilização conjunta visa a impedir que o condomínio fique à mercê de discussões entre vendedor e comprador, o que muitas vezes resulta em longos litígios e dificuldades para obter o adimplemento.

Ao reconhecer a legitimidade concorrente, o Judiciário tende a adotar um critério mais objetivo, com foco na efetiva fruição do bem e na titularidade formal, o que traz maior segurança jurídica para a coletividade condominial.

8. Conclusão

A responsabilidade pelas despesas condominiais transcende a mera titularidade registral, alcançando também quem exerce a posse e retira benefícios diretos do imóvel. A possível revisão do Tema 886 do STJ para admitir a legitimidade concorrente de vendedor e comprador reforça esse entendimento e visa a proporcionar maior eficácia à cobrança de débitos condominiais.

O novo posicionamento, se confirmado, trará um avanço significativo na jurisprudência, assegurando mais proteção aos condomínios e incentivando condutas mais diligentes nas transações imobiliárias. Ao mesmo tempo, impõe ao mercado a necessidade de maior formalização e transparência nas relações entre vendedores, compradores e administração condominial.

Bibliografia:

· BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: L10406compilada.

· BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. · Migalhas. STJ vai reanalisar dever entre vendedor e comprador por dívida condominial. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/432164/stj-revisara-dever-entre-vendedor-e-comprador-por-divida-condominial.

· SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Tema Repetitivo 886. Tese: "O promitente comprador, na posse do imóvel, com obrigações contratuais próprias de condômino, é parte legítima para responder por débitos condominiais posteriores à imissão na posse, desde que haja ciência inequívoca do condomínio a respeito da transação." Disponível em: https://www.stj.jus.br · https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%202015740.

· SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Recurso Especial nº 2.015.740/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%202015740.

· SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Recurso Especial nº 2.100.395/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=REsp+2.100.395&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO

· SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Em revisão de repetitivo, STJ vai analisar responsabilidade conjunta entre vendedor e comprador por dívida condominial. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/09062025-Em-revisao-de-repetitivo--STJ-vai-analisar-responsabilidade-conjunta-entre-vendedor-e-comprador-por-divida.aspx.