ARTIGO PSJ
SNIPER: Uma Análise da Modernização do Judiciário e Seus Impactos nas Ações de Execução
1. Introdução | 2. Afinal, o que é o SNIPER? | 3. Dificuldades que Transcendem a Tecnologia | 4. Conclusão
1. Introdução
O sistema judiciário brasileiro tem sido historicamente marcado por uma lentidão estrutural que afeta diretamente a efetividade das ações de execução. Esse problema, que transcende o campo meramente processual, está intrinsecamente ligado a aspectos sociais, econômicos e culturais.
No dia a dia, é comum referirmos a essa percepção de ineficiência refletida tanto na imprensa quanto na opinião pública, o que agrava o descrédito no sistema.
Em 2022, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontaram que 58% dos processos em tramitação no Brasil estavam na fase de execução, o que corresponde a mais de 40 milhões de casos. Essa fase, que deveria representar a concretização do direito reconhecido em juízo, muitas vezes se torna um verdadeiro labirinto burocrático.
Diante desse cenário desafiador, o Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (SNIPER) surge como uma iniciativa estratégica no âmbito do programa Justiça 4.0, uma iniciativa que visa modernizar e tornar mais eficiente o Judiciário brasileiro por meio de soluções tecnológicas.
2. Afinal, o que é o SNIPER?
O SNIPER se propõe a resolver um dos grandes gargalos do Judiciário: a morosidade nas investigações patrimoniais. Ele chega com uma proposta de centralizar e agilizar as investigações patrimoniais.
A ideia é simples, mas importante: oferecer aos magistrados e servidores acesso integrado a diversas bases de dados.
A ferramenta utiliza tecnologias avançadas de cruzamento de informações e representação visual em grafos para identificar relações patrimoniais e societárias que poderiam passar despercebidas em investigações tradicionais. Essas relações, muitas vezes, revelam grupos econômicos ocultos ou práticas de blindagem patrimonial, como transferências fraudulentas ou o uso de "laranjas" para ocultar bens. A promessa é ambiciosa: reduzir drasticamente o tempo de tramitação das execuções e aumentar a taxa de cumprimento das ordens judiciais, contribuindo para a efetividade da prestação jurisdicional.
3. Dificuldades que Transcendem a Tecnologia
Contudo, uma avaliação mais aprofundada do SNIPER exige a contextualização de seu impacto e limitações dentro do panorama mais amplo do sistema judiciário brasileiro.
A morosidade do Judiciário não é apenas uma questão de ineficiência operacional, mas também o resultado de um sistema que tem dificuldades em acompanhar a dinâmica de uma sociedade em constante transformação. A evolução das relações econômicas e sociais gerou formas cada vez mais sofisticadas de fraudes e ocultamento de bens, desafiando as ferramentas tradicionais de investigação patrimonial.
Nesse cenário, o SNIPER surge como uma resposta tecnologicamente avançada, mas, igualmente, como uma solução que carrega consigo o peso das expectativas e as limitações inerentes a qualquer iniciativa disruptiva.
Os benefícios prometidos pelo SNIPER são inegáveis em termos teóricos. Sua capacidade de integrar bases de dados de órgãos como Receita Federal, Detran, Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reduz a necessidade de requisições individuais, tornando o processo mais rápido e eficiente. O uso de grafos visuais é outro diferencial significativo, permitindo que magistrados e advogados identifiquem relações econômicas de forma clara e intuitiva. Essas funcionalidades prometem não apenas agilizar a localização de bens, mas também aumentar a capacidade de rastrear e comprovar fraudes patrimoniais.
Entretanto, a distância entre as promessas teóricas do SNIPER e os resultados observados em sua aplicação prática revela desafios que precisam ser enfrentados. Muitos magistrados relatam que as informações obtidas por meio da ferramenta são frequentemente insuficientes para fundamentar decisões judiciais. As bases de dados integradas, embora abrangentes, nem sempre fornecem informações detalhadas ou atualizadas. Além disso, a ferramenta não interpreta automaticamente os dados que coleta, transferindo para os operadores do Direito a responsabilidade de analisar e contextualizar as informações. Essa limitação, embora compreensível, pode reduzir significativamente a eficácia do sistema, especialmente em casos mais complexos, onde a análise exige um alto nível de expertise.
Adicionalmente, a resistência cultural à adoção de novas tecnologias no Judiciário emerge como um obstáculo relevante para a plena utilização do SNIPER. Muitos operadores do Direito ainda preferem métodos tradicionais de investigação, seja por falta de familiaridade com as ferramentas tecnológicas ou por desconfiança em relação à sua efetividade. Essa resistência é agravada pela falta de capacitação adequada, que impede que magistrados e servidores explorem todo o potencial do SNIPER. Talvez uma solução seja investir mais em capacitação prática, simulando o uso dessas ferramentas no dia a dia para aumentar a familiaridade dos operadores do Direito. Além disso, a integração do sistema com outras ferramentas, como o Sisbajud e o Infojud, ainda é limitada, o que compromete a abrangência das investigações patrimoniais.
4. Conclusão
Apesar das limitações, o SNIPER é, sem dúvida, um passo importante para tirar o Judiciário do papel e colocá-lo de vez no século XXI. Sua implementação reflete a necessidade de adaptar o sistema judicial às demandas de uma sociedade cada vez mais complexa e dinâmica. Mais do que uma ferramenta tecnológica, o SNIPER é um símbolo de uma mudança cultural que valoriza a eficiência, a transparência e a inovação. No entanto, para que seu impacto seja verdadeiramente transformador, é essencial que ele seja continuamente aprimorado e integrado a um planejamento mais amplo de modernização do Judiciário.
A evolução do SNIPER também levanta questões mais amplas sobre o futuro da execução judicial no Brasil. Até que ponto a tecnologia pode substituir a expertise humana na investigação patrimonial? Como garantir que o uso dessas ferramentas respeite os direitos fundamentais, como o sigilo bancário e fiscal? Essas são perguntas que não apenas definem os rumos do SNIPER, mas também moldam o futuro do sistema judiciário como um todo.
Em suma, o SNIPER não é apenas uma ferramenta, mas uma ponte — ainda em construção — entre o Judiciário que conhecemos e o que aspiramos. Sua jornada ilustra a luta constante por eficiência em um sistema tão complexo quanto as próprias relações que ele regula.
Ele é uma iniciativa ambiciosa que reflete os desafios e as oportunidades da modernização do Judiciário brasileiro. Embora enfrente limitações significativas, sua existência destaca a importância de investir em soluções tecnológicas que, além de tornar o sistema mais eficiente, possa transformá-lo em um sistema mais justo e acessível. A plena realização desse potencial, porém, depende de um compromisso contínuo com a inovação, a capacitação e a melhoria contínua, elementos que são essenciais para um Judiciário que verdadeiramente atenda às necessidades de uma sociedade em constante transformação.
Bibliografia:
- BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça 4.0 – SNIPER. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/sniper/. Acesso em 24.01.2025.
- BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Saiba mais sobre o SNIPER: ferramenta digital que centraliza a busca de ativos e patrimônios. Disponível em: https://www.trf1.jus.br/trf1/noticias/saiba-mais-sobre-o-sniper-ferramenta-digital-que-centraliza-a-busca-de-ativos-e-patrimonios. Acesso em 24.01.2025.
- SNIPER é a aposta do Judiciário para agilizar recuperação de ativos. Consultor Jurídico, São Paulo, 27 nov. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-nov-27/sniper-aposta-judiciario-agilizar-recuperacao-ativos/. Acesso em 24.01.2025.
- DD ADVOGADOS. Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos. Disponível em: https://ddadvogados.com.br/sistema-nacional-de-investigacao-patrimonial-e-recuperacao-de-ativos/. Acesso em 24.01.2025.