ARTIGO PSJ

A Hipoteca e o Fenômeno da Extrajudicialização

Portela Soluções Jurídicas

Escritório de Advocacia

1. Introdução | 2. Conceito e Características da Hipoteca | 3. Alterações da Hipoteca no Código Civil | 4. Procedimento para Execução Extrajudicial da Hipoteca | 5. Conclusão

1. Introdução

Temos experimentado o fenômeno da “Extrajudicialização” no Brasil, ou seja, a promoção da resolução dos conflitos sem que haja a obrigatoriedade de ingresso de Ação Judicial perante o Poder Judiciário.

Como exemplos desse fenômeno, pode-se mencionar:

i) os métodos alternativos de solução de conflitos (Mediação, Conciliação, Arbitragem);

ii) o procedimento extrajudicial para execução da cláusula de Alienação Fiduciária relativa a bem imóvel, regulado pela Lei nº 9.514/1997;

iii) o Divórcio extrajudicial introduzido pela Lei nº 11.441/2007;

iv) o Inventário extrajudicial incorporado ao ordenamento jurídico pela mesma Lei nº 11.441/2007;

v) a Usucapião extrajudicial prevista nas disposições finais da Lei nº 13.105/2015 (Código Processo Civil de 2015) ao acrescentar o art. 216-A na Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos);

vi) a Adjudicação Compulsória extrajudicial prevista na Lei nº 14.382/2022.

É nesse crescente cenário da “Extrajudicialização” que, em 31 de outubro de 2023, foi publicada a Lei nº 14.711/2023, com vigência imediata, dispondo acerca de novas regras para o aprimoramento de garantias.

Referida lei foi batizada de Marco Legal das Garantias, vez que representa mais um mecanismo visando à diminuição do custo do crédito e à redução da inadimplência no Brasil, ao melhorar as regras das garantias concedidas em empréstimos, tornando mais fácil a retomada dos bens.

Dentre as inovações trazidas pela nova lei, constam procedimentos de execução extrajudicial de créditos garantidos por Hipoteca, o que traz nova e animadora concepção para a garantia hipotecária.

O presente artigo abordará exatamente a Hipoteca e as inovações a ela relacionadas, trazidas pelo Marco Legal das Garantias.


2. Conceito e Características da Hipoteca

A Hipoteca, conforme nos ensinou o professor Caio Mário da Silva Pereira (citado por Lamana Paiva), é o direito real de natureza civil, incidente sobre bem imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor.

São características da Hipoteca:

a) é um direito real de garantia;

b) a posse do imóvel fica com o proprietário, não há transferência da posse e nem da propriedade para o credor hipotecário;

c) sobre um mesmo imóvel podem incidir diversas Hipotecas (hipotecas de 1º, 2º, 3º graus);

d) é possível vender o imóvel hipotecado, mas quem adquire o bem o faz com a Hipoteca nele gravada;

e) o prazo máximo da Hipoteca é de 30 anos (art. 1.485 do Código Civil).


3. Alterações da Hipoteca no Código Civil

A já mencionada Lei nº 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias) alterou previsões do Código Civil, relativas à Hipoteca. Vejamos:

a) incluiu o § 2º ao art. 1.477 do Código Civil, para estabelecer que o inadimplemento da obrigação garantida por Hipoteca, faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular, garantidas pelo mesmo imóvel;

b) alterou o art. 1.478 do Código Civil, simplificando a sub-rogação pelo credor hipotecário nos direitos da hipoteca anterior, que poderá ocorrer a qualquer tempo, não dependendo mais de oferta prévia ao credor da primeira Hipoteca;

c) criou o art. 1.487-A no mesmo Código Civil, prevendo a possibilidade de extensão da Hipoteca para garantir novas obrigações com o mesmo credor. Referida extensão da Hipoteca será objeto de averbação na matrícula do imóvel.


4. Procedimento para Execução Extrajudicial da Hipoteca

De outra parte, na própria Lei nº 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias), especificamente em seu art. 9º, foi regulado o procedimento extrajudicial para execução da Hipoteca.

Assim, o credor poderá optar por entrar com uma Ação Judicial para executar a Hipoteca ou realizar todo o procedimento pela via extrajudicial, perante o Cartório de Registro de Imóveis.

Seguem aspectos do mencionado procedimento extrajudicial.

Vencida e não paga a dívida garantida pela Hipoteca, o devedor e o terceiro hipotecante (este último, se houver) serão intimados, a requerimento do credor ou do seu cessionário, pelo Oficial do Registro de Imóveis da situação do bem hipotecado, para pagar a dívida no prazo de 15 (quinze) dias.

Não sendo paga a dívida, o credor formulará pedido de averbação na matrícula do imóvel para início do procedimento de execução extrajudicial da Hipoteca.

No prazo de 60 (sessenta) dias após a referida averbação, o credor promoverá um leilão público extrajudicial do imóvel hipotecado, que poderá ser realizado por meio eletrônico.

Por ocasião do primeiro leilão, o lance mínimo será igual ou superior ao valor do imóvel estabelecido no contrato ou o valor da avaliação realizada pelo órgão público responsável pelo cálculo do imposto sobre transmissão inter vivos, o que for maior.

Inexitoso o primeiro leilão, nos 15 (quinze) dias subsequentes, será realizado o segundo leilão, oportunidade em que será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor da dívida ou, pelo menos, 50% do valor do imóvel, o que escolher o credor.

Caso o lance ofertado para arrematação do imóvel supere o valor da dívida, a quantia excedente será entregue ao hipotecante.

Admitindo-se que o lance no segundo leilão não seja igual ou superior aos parâmetros mínimos estabelecidos na lei e mencionados acima (valor da dívida ou 50% do valor do imóvel), ou seja, na hipótese do segundo leilão também ser inexitoso, o credor terá a faculdade de:

(i) apropriar-se do imóvel em pagamento da dívida, a qualquer tempo, pelo valor correspondente ao referencial mínimo do segundo leilão atualizado. Aqui a lei dispensa a “Ata Notarial” a que faremos referência mais adiante, devendo, o Oficial de Registros Públicos, registrar os

autos de leilões negativos com a anotação da transmissão da propriedade em ato registral único ou

(ii) realizar, no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, contado do último leilão, a venda direta do imóvel a terceiro, dispensado novo leilão, por valor não inferior ao referencial mínimo. Neste caso, o credor ficará investido de mandato irrevogável - trata-se de mandato legal por estar previsto em lei - para representar o garantidor na transmissão do domínio e demais direitos.

A lei prevê que, nas operações de financiamento para aquisição ou construção de imóvel residencial do devedor, exceção feita aos consórcios, caso não seja suficiente o produto da excussão da garantia hipotecária para o pagamento da totalidade da dívida, o devedor ficará exonerado da responsabilidade pelo saldo remanescente.

Concluído o procedimento e havendo lance vencedor, o “processo” será distribuído a Tabelião de Notas do local da situação do imóvel para lavratura da “Ata Notarial de Arrematação”, com elementos de escritura pública de compra e venda, que constituirá o título hábil de transmissão da propriedade ao arrematante, a ser registrado na matrícula do imóvel. Atente-se que a Ata Notarial de Arrematação é uma novidade.

Registre-se que, em diversos momentos do procedimento extrajudicial para execução da Hipoteca, o devedor/terceiro hipotecante têm a oportunidade de se manifestar e adotar providências para resolver a questão, pondo fim a sequência dos atos que conduzirão à perda do imóvel, em decorrência da execução da Hipoteca. Se nada fazem ou se apenas se esquivam, amargarão as consequências da sua conduta omissiva.

Para finalizar, cabe fazer dois alertas: i) a lei prevê que a execução extrajudicial da hipoteca não se aplica às operações de financiamento da atividade agropecuária e ii) em qualquer das hipóteses previstas na nova lei (arrematação, venda direta, adjudicação), deve ser pago o imposto de transmissão inter vivos – ITBI e, se for o caso, o laudêmio.


7. Conclusão

Por meio do Marco Legal das Garantias, a execução da Hipoteca ingressa na esfera extrajudicial, assim como vem ocorrendo com diversos institutos jurídicos no Brasil (Ex: alienação fiduciária, divórcio, inventário, usucapião, adjudicação compulsória etc.). Esse é o fenômeno da “Extrajudicialização”.

Isso teve lugar porque testemunhamos, ao longo dos anos, o desinteresse dos credores acerca da utilização da antiga Hipoteca - garantia real tradicional - tendo em vista seu engessamento, morosidade e frustração na execução judicial, denotando sua incapacidade de concorrer com a jovem e arrojada Alienação Fiduciária.

Agora, com as inovações introduzidas pela lei que instituiu o Marco Legal das Garantias a Hipoteca é turbinada, ganha novas perspectivas, se aproxima muito das características que trouxeram sucesso à Alienação Fiduciária, parecendo estar pronta para retornar à cena e ganhar os holofotes, voltando a ser escolhida como forma de garantia.


Bibliografia:

- Abelha, André. Disponível em @abelhaandre. Publicação de 13.11.2023. Acesso em: 23.11.2023.

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-Lei nº 14.711/2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14711.htm. Acesso em: 31.10.2023.

- Mallmann, Jean Karlo Woiciechoski. Série: Terminologias Notariais e Registrais – Parte V - Extrajudicialização: o Fenômeno da Desjudicialização com o Nome Certo. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/386827/extrajudicializacao-o-fenomeno-da-desjudicializacao-com-nome-certo. Acesso em 07.11.2023.

- Rodas, Sérgio. Marco Legal das Garantias Deve Estimular Crédito Imobiliário e Reduzir Juros. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-out-31/marco-legal-garantias-estimular-credito-imobiliario. Acesso em: 07.11.2023.

- Stalder, Marc. Advogado Explica Mudanças Trazidas pelo Marco Legal das Garantias. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/396289/advogado-explica-mudancas-trazidas-pelo-marco-legal-das-garantias. Acesso em 06.11.2023.