ARTIGO PSJ
Residências com assinatura: aspectos jurídicos das parcerias entre incorporadoras e marcas de luxo
1. Introdução | 2. A estrutura jurídica das parcerias entre incorporadoras e marcas de luxo | 3. A publicidade e os limites do Código de Defesa do Consumidor (CDC) | 4. O memorial de incorporação e a proteção aos adquirentes | 5. Conclusão | 6. Bibliografia
1. Introdução
No mercado imobiliário internacional já está consolidada a tendência dos empreendimentos de alto padrão das chamadas branded residences, ou residências de marca. Neste modelo, as construtoras e/ou incorporadoras se associam a grifes renomadas – sejam do setor de moda, design, hospitalidade ou lifestyle – com o objetivo de agregar valor ao empreendimento e diferenciar o produto em um mercado cada vez mais competitivo, conferindo exclusividade, sofisticação e, principalmente, diferenciação competitiva.
O fenômeno já consolidado em grandes centros como Nova York, Dubai e Paris, e a expansão desse modelo no Brasil, especialmente em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, impõe desafios e reflexões jurídicas que merecem análise especializada, principalmente no que tange à proteção do consumidor, aos aspectos contratuais e à regularização dos empreendimentos junto ao poder público.
2. A Estrutura Jurídica das Parcerias entre Incorporadoras e Marcas de Luxo
A presença de marcas relevantes de luxo em lançamentos imobiliários recentes revela uma estratégia clara: aliar atributos tangíveis e intangíveis à experiência de moradia, capturando o interesse de um consumidor que busca exclusividade, sofisticação e, sobretudo, pertencimento a um estilo de vida aspiracional.
Do ponto de vista jurídico, este modelo de negócio impõe uma série de cuidados e obrigações específicas para as partes envolvidas. A formalização de um contrato de parceria entre a incorporadora e a marca deve ser minuciosamente elaborado, contemplando cláusulas de licenciamento de uso da marca, padrões de qualidade, responsabilidade pela manutenção da identidade visual e até pela prestação de serviços vinculados à hospitalidade, caso incluídos como valor agregado ao condomínio.
A Lei nº 4.591/1964, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, é o principal marco normativo para a estruturação desses empreendimentos. O art. 32 determina que a incorporadora deverá proceder com o registro do memorial de incorporação que, dentre outros documentos e informações, deverá conter memorial descritivo das especificações da obra projetada, a caracterização das futuras unidades e a minuta de convenção de condomínio que disciplinará o uso das futuras unidades e partes comuns do conjunto imobiliário. Tais especificações se tornam ainda mais relevantes em empreendimentos com identidade de marca, pois a padronização estética e funcional é elemento essencial do negócio jurídico.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) impõe o dever de informação clara, precisa e adequada sobre as características do produto ofertado. As marcas que se associam à incorporação não podem ser utilizadas apenas como instrumento de marketing sem a devida correspondência na entrega final do imóvel, sob pena de caracterização de publicidade enganosa, nos termos do art. 37, §1º, do CDC.
Ademais, deve ser analisado cuidadosamente o licenciamento de marca devem observar as legislações referentes à propriedade intelectual, especialmente no tocante à exclusividade, tempo de duração e delimitação territorial do uso da marca.
É essencial que tais parcerias estejam formalizadas com clareza, estipulando as responsabilidades de cada parte, inclusive quanto à entrega dos padrões de acabamento, design de interiores, serviços oferecidos e manutenção da imagem da marca associada ao empreendimento. A ausência de transparência nessas definições pode levar a litígios entre os adquirentes e a incorporadora, especialmente quando há promessa de entrega de um padrão de qualidade que não se materializa no produto final.
3. A publicidade e os limites do Código de Defesa do Consumidor (CDC)
A Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) estabelece, em seu artigo 30, que toda informação ou publicidade suficientemente precisa, veiculada em qualquer meio de comunicação obriga o fornecedor, integrando o contrato que vier a ser celebrado. Isso significa que o uso da imagem da grife na promoção do empreendimento cria legítima expectativa nos consumidores sobre a qualidade e os serviços ofertados, inclusive porque
qualquer desalinhamento entre a publicidade e a entrega final do empreendimento pode gerar responsabilidade civil, com base nos princípios da boa-fé objetiva, confiança legítima e proteção do consumidor.
Outro ponto relevante diz respeito à obrigação de informação, também prevista no CDC. É dever do fornecedor esclarecer, de maneira adequada, as características da marca envolvida, seu grau de participação no projeto e os limites do licenciamento. A omissão dessas informações pode ser considerada prática abusiva, conforme art. 39, do CDC.
4. O Memorial de Incorporação e a Proteção aos Adquirentes
Nos termos da Lei nº 4.591/1964, o memorial de incorporação é o documento que confere segurança jurídica aos adquirentes de unidades autônomas, servindo como referência para o que será efetivamente construído. Toda e qualquer promessa feita pela incorporadora em material publicitário ou em contrato deve, obrigatoriamente, estar refletida nesse documento, sob pena de nulidade ou de responsabilidade indenizatória.
No caso das branded residences, esse cuidado deve ser redobrado, pois a vinculação com uma marca amplifica a expectativa dos consumidores. É recomendável, inclusive, que o contrato de compra e venda contenha cláusulas que esclareçam o escopo da marca no projeto, evitando alegações de propaganda enganosa ou quebra de expectativas.
5. Conclusão
As branded residences representam uma evolução natural do mercado imobiliário de luxo, impulsionada por consumidores cada vez mais exigentes e globalizados. No entanto, a adoção desse modelo no Brasil deve respeitar os parâmetros legais vigentes, especialmente aqueles voltados à proteção do consumidor e à transparência nas relações contratuais.
Do ponto de vista estratégico, o Brasil pode se inspirar em experiências internacionais como o "One Hyde Park" (Londres), o "Armani/Casa Residences" (Miami) ou o "Baccarat Hotel & Residences" (Nova York), todos exemplos em que o nome da marca agregou valor de mercado significativo e permitiu margens de preço superiores à média local. No entanto, tais modelos também exigem compliance regulatório rígido e gestão da marca para garantir longevidade e reputação.
Portanto, o sucesso das branded residences no Brasil dependerá não apenas do apelo comercial das marcas, mas da solidez jurídica dos instrumentos que estruturam o negócio e da transparência com o consumidor final. Cabe à construtora/incorporadora investir em um advogado especialista no setor imobiliário para não apenas viabilizar juridicamente os projetos, mas garantir que o produto entregue esteja à altura da promessa feita no material publicitário e nos contratos.
Bibliografia
· BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
· BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
· BRASIL. Lei de Incorporações Imobiliárias. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.
· BRASIL. Lei da Propriedade Industrial. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.
· SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Responsabilidade civil na publicidade. São Paulo: RT, 2007.
· GONÇALVES, Carlos Roberto. Contratos. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
· TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Vol. 3: Contratos. 10. ed. São Paulo: Método, 2023.