ARTIGO PSJ

Aspectos Contratuais da Multipropriedade: O Que Você Precisa Saber

Portela Soluções Jurídicas

Escritório de Advocacia

1. Introdução | 2. O Contrato de Multipropriedade | 3. O Distrato no Contrato de Multipropriedade | 4. Hipóteses de Distrato sem Multa | 5. Distrato com Retenção Parcial | 6. Cuidados ao Assinar o Contrato | 7. Conclusão


1. Introdução

De acordo com o artigo 1.358-C do Código Civil, a multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada. A multipropriedade é uma modalidade de aquisição imobiliária que permite a diversos proprietários compartilharem um mesmo imóvel, geralmente em destinos turísticos. Cada proprietário tem direito a usufruir do bem por um período específico, normalmente uma semana por ano. Embora o conceito seja atraente, o contrato de multipropriedade envolve diversas implicações jurídicas e financeiras que devem ser cuidadosamente analisadas para evitar problemas futuros.

2. O Contrato de Multipropriedade

O contrato de multipropriedade é um instrumento formal e complexo, regido pela Lei nº 13.777/2018, que inseriu essa modalidade no Código Civil. O documento define os direitos e deveres dos multiproprietários, bem como a forma de uso, a contribuição para as despesas comuns e as consequências do inadimplemento. É comum que consumidores sejam atraídos durante períodos de férias por promessas sedutoras, como vouchers para almoços, jantares, passeios turísticos gratuitos ou descontos em atrações locais, em troca da participação em uma "apresentação" do empreendimento. Nessas ocasiões, ao comparecerem aos estandes de vendas, os potenciais compradores frequentemente recebem comidas e bebidas, em um ambiente estrategicamente montado para criar uma sensação de exclusividade e urgência para a assinatura do contrato. Contudo, relatos apontam que, ao demonstrar hesitação ou recusar a proposta, algumas pessoas são tratadas de forma ríspida ou até constrangedora, gerando forte pressão psicológica para que aceitem o negócio. Um ponto crítico que merece atenção nesse tipo de contrato é a cláusula de correção das parcelas. Nos contratos de aquisição de imóveis na planta, é comum que, durante a fase de construção, as parcelas sejam corrigidas mensalmente pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), refletindo a variação dos custos do setor. Após a entrega das chaves, a correção geralmente passa a ser atrelada ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou a outro índice inflacionário, acompanhada, em alguns casos, de juros remuneratórios. Essa transição de índices pode resultar em um aumento expressivo das parcelas, especialmente se o consumidor não projetar essas correções em seu planejamento financeiro. Além disso, eventuais juros moratórios em caso de atraso podem agravar ainda mais o saldo devedor, comprometendo a viabilidade financeira do contrato. Outro aspecto relevante é a necessidade de verificação da inscrição do empreendimento junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Isso é especialmente importante quando existe a exigência contratual de que o imóvel só possa ser alugado por meio de um "pool" de locação, sem que o proprietário tenha liberdade para explorar o bem diretamente. Caso o empreendimento não esteja devidamente registrado na CVM, essa irregularidade pode configurar uma hipótese de rescisão contratual sem penalidades para o consumidor.

3. O Distrato no Contrato de Multipropriedade

O distrato, ou rescisão contratual, nos contratos de multipropriedade imobiliária é um tema amparado por legislações específicas e princípios do Direito Imobiliário, Civil e do Consumidor. A Lei nº 13.786/2018, conhecida como "Lei do Distrato", trouxe maior segurança jurídica ao estabelecer critérios claros para a rescisão desses contratos, equilibrando os interesses dos incorporadores e dos adquirentes. Nos contratos de multipropriedade, a rescisão pode ser requerida tanto por iniciativa do comprador quanto por inadimplemento do vendedor, cabendo analisar cada hipótese conforme a legislação vigente e os princípios contratuais, como a boa-fé objetiva e a função social do contrato, previstos nos artigos 421 e 422 do Código Civil. Ademais, é fundamental observar a Lei nº 13.777/2018, que regulamenta a multipropriedade imobiliária e determina aspectos essenciais como o regime de condomínio especial, a fração de tempo de uso e a obrigação de registro no cartório de imóveis.

4. Hipóteses de Distrato sem Multa

Direito de Arrependimento

Nos termos do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do artigo 67-A, § 10, da Lei nº 4.591/1964, o consumidor tem o direito de se arrepender da compra no prazo de 7 (sete) dias a contar da assinatura do contrato, caso a contratação tenha ocorrido fora do estabelecimento comercial, como em estandes de vendas, feiras ou por meio eletrônico. Nessa hipótese, o distrato não enseja a aplicação de multa, sendo obrigatória a devolução integral dos valores pagos, em prazo razoável e de forma corrigida monetariamente, sob pena de configurar enriquecimento sem causa por parte da incorporadora, em violação ao artigo 884 do Código Civil.

Atraso na Entrega da Obra

O descumprimento do prazo de entrega do empreendimento é outra causa legítima para a rescisão contratual sem multa. A Lei nº 13.786/2018 estipula que, se o atraso for superar 180 (cento e oitenta) dias corridos, o consumidor pode pleitear a rescisão com a restituição de 100% dos valores pagos, devidamente corrigidos. No âmbito do Direito Imobiliário, essa previsão protege o adquirente ao garantir que não haverá prejuízo financeiro em razão de descumprimentos contratuais por parte da incorporadora.

Propaganda Enganosa

A ocorrência de propaganda enganosa, tipificada no artigo 37 do CDC, também justifica o distrato sem imposição de multa. Caso fique comprovado que o consumidor foi induzido a erro por informações falsas, omissões relevantes ou promessas descumpridas, como datas flexíveis para usufruto que não se concretizam ou promessas de valorização imobiliária sem respaldo técnico, a rescisão contratual poderá ser decretada judicialmente, com a devolução integral dos valores pagos e, em alguns casos, com indenização por danos materiais e morais, conforme previsto nos artigos 6º, VI, e 35 do CDC.

Falta de Registro Imobiliário

Nos casos de multipropriedade, a ausência do devido registro do empreendimento no Cartório de Registro de Imóveis e, quando aplicável, da autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) configura flagrante irregularidade.

O registro no Cartório de Registro de Imóveis, exigido pela Lei nº 13.777/2018, é essencial para a formalização da multipropriedade, assegurando a individualização das frações imobiliárias e garantindo a segurança jurídica da aquisição.

Já o registro na CVM é necessário quando a comercialização das frações envolve oferta pública de investimento, com expectativa de rentabilidade, caracterizando a operação como valor mobiliário.

A ausência desses registros compromete a validade do negócio, podendo resultar em sanções legais e permitir o distrato sem ônus ao adquirente.

5. Distrato com Retenção Parcial

Não estando configuradas as hipóteses acima, o distrato poderá ocorrer por iniciativa unilateral do adquirente, hipótese em que a incorporadora poderá reter parte dos valores pagos a título de cláusula penal compensatória. O artigo 67-A da Lei nº 4.591/1964, introduzido pela Lei nº 13.786/2018, estabelece que essa retenção não pode ultrapassar 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos pelo comprador, salvo se a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, hipótese em que a retenção poderá chegar até o limite de 50% (cinquenta por cento).

No contexto imobiliário, é crucial que a cláusula de retenção esteja claramente destacada no contrato, em conformidade com o artigo 35-A da Lei nº 4.591/1964 (Lei das Incorporações Imobiliárias). A devolução dos valores restantes deve ser realizada em até 60 (sessenta) dias após a resolução contratual, salvo disposição contratual que estipule outro prazo, desde que razoável e proporcional. A retenção abusiva ou a imposição de prazos desarrazoados podem ser questionadas judicialmente, sob a ótica da revisão contratual, amparada pelo artigo 317 do Código Civil.

6. Cuidados ao Assinar o Contrato

Dada a complexidade inerente aos contratos de multipropriedade, é essencial que o comprador adote uma postura diligente ao analisar as cláusulas contratuais. Destacam-se os seguintes pontos de atenção:


  • Registro Imobiliário: Verificar se o empreendimento está devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis, em conformidade com a Lei nº 13.777/2018.

  • Índice de Correção: Observar qual índice será aplicado para a correção das parcelas (INCC, IPCA etc.) e os reflexos disso no custo final da aquisição.

  • Taxas Condominiais: Analisar o valor estimado das taxas de manutenção, que, em multipropriedades, podem ser elevadas devido à natureza compartilhada do bem e à necessidade de manutenção contínua.

  • Datas de Utilização: Examinar as regras de rodízio para a utilização do imóvel, evitando conflitos futuros sobre a posse temporária.

  • Cláusulas de Rescisão: Entender as hipóteses de distrato e de rescisão previstas, os percentuais de retenção aplicáveis e os prazos de devolução dos valores.

  • Exploração Econômica: Para assegurar a conformidade com as regulamentações vigentes e evitar a nulidade contratual, é imperativo que a operação, quando caracterizada como valor mobiliário, seja devidamente registrada junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).


7. Conclusão

A multipropriedade imobiliária é um instrumento jurídico que, se bem estruturado, oferece uma alternativa interessante para quem deseja usufruir de imóveis em destinos turísticos sem arcar com todos os custos de aquisição e manutenção. Todavia, sua complexidade exige cautela redobrada por parte dos consumidores.

Para mitigar riscos, é indispensável que o comprador não apenas compreenda os direitos e deveres pactuados, mas também conte com assessoria jurídica especializada em Direito Imobiliário. A análise minuciosa das cláusulas contratuais, a verificação da regularidade do empreendimento perante os órgãos competentes e o conhecimento das hipóteses legais de distrato são medidas essenciais para garantir que a aquisição ocorra de forma segura e vantajosa.

Assim, a multipropriedade, quando conduzida de forma transparente e juridicamente correta, pode proporcionar momentos de lazer e descanso, sem comprometer a segurança financeira dos adquirentes. A atuação preventiva, com respaldo técnico, é o melhor caminho para evitar litígios futuros e assegurar que os interesses do consumidor sejam resguardados em todas as fases do negócio jurídico.

Bibliografia:

Costa, Vanúbia Rosa Da. "Multipropriedades – Procedimentos Registral." Ciências Sociais Aplicadas, vol. 28, ed. 139, outubro 2024. Disponível em: MULTIPROPRIEDADES – PROCEDIMENTOS REGISTRAL – ISSN 1678 0817 Qualis B2. Acesso em 28.02.2025

Peghini, Cesar Calo; Domiciano, Flávia Lara Vogel. "Multipropriedade: Evolução Histórica e Análise da Lei 13.777/18." Migalhas, 2020. Disponível em: Multipropriedade: Evolução Histórica e Análise da Lei 13.777/18 - Migalhas. Acesso em 28.02.2025

Ministério Público do Estado de São Paulo. "Breves Considerações sobre a Multipropriedade." Revista Pensamento Jurídico, vol. 15, n. 1, 2007. Disponível em: RPensam-Jur_v.15_n.1.07.pdf. Acesso em 28.02.2025

Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: Disponível em: L10406compilada Brasil. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Disponível em: L8245.

Brasil. Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018. Disponível em: L13786. Brasil. Lei nº 13.777, de 20 de dezembro de 2018. Disponível em: L13777.