ARTIGO PSJ
A Importância do Registro na CVM para Ofertas Públicas de Condo-Hotéis
1. Introdução | 2. O Modelo de Condo-Hotel como CIC Hoteleiro | 3. Atuação da CVM em Relação aos Condo-Hotéis | 3.1. Regulamentação | 3.2. Registro da Oferta Pública | 3.3. Fiscalização | 4. Conclusão
1. Introdução
A histórica escassez de fontes de financiamento para projetos hoteleiros no Brasil impulsionou o mercado a desenvolver alternativas criativas para atender à crescente demanda por quartos de hotel no país, em especial com os grandes eventos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Entre essas soluções, destaca-se o modelo de Condo-Hotel, que tem se mostrado uma das estruturas de financiamento mais bem-sucedidas. Por condo-hotéis, deve-se entender o empreendimento hoteleiro organizado por meio de condomínio edilício.
Nesse formato, as unidades autônomas resultantes de incorporação imobiliária ou frações ideais de imóveis, são adquiridas pelos investidores, pessoas físicas ou jurídicas, mediante promessa de geração de retorno financeiro decorrente da exploração hoteleira como um ativo de renda. Em resumo, os condo-hotéis aliam promessas de investimento com retornos vantajosos para os potenciais investidores, à demanda de recursos por parte dos empreendedores interessados no desenvolvimento de empreendimentos imobiliários hoteleiros.
Nesse sentido, reconhecendo a relevância e os riscos desse modelo, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) emitiu, em dezembro de 2013, um alerta sobre investimentos em empreendimentos imobiliários voltados à atividade hoteleira. A CVM considerou que o modelo de condo-hotel se configura como valor mobiliário, na forma de contratos de investimento coletivo (“CIC”), conforme a Lei nº 6.385/76. Por esse motivo, as ofertas públicas dessa natureza devem ser registradas ou dispensadas de registro pela CVM e realizadas exclusivamente por sociedades devidamente registradas na autarquia.
Neste artigo, exploraremos em detalhes como ocorre e qual a importância do registro, perante a CVM, das ofertas públicas de Contratos de Investimento Coletivo no setor hoteleiro, bem como a atuação fiscalizadora do órgão nesse sentido.
2. O Modelo de Condo-Hotel como CIC Hoteleiro
Nos termos da Lei nº 6.385/76, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a CVM:
“Art. 2º: São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” (sem grifos no original)
O enquadramento de determinado produto como contrato de investimento coletivo não depende de prévia manifestação da CVM, mas de sua subsunção aos seguintes requisitos:
a) Há intenção de realização de investimento?
b) O investimento foi formalizado por meio de título ou contrato?
c) O investimento tem natureza coletiva, isto é, é realizado por vários investidores?
d) O investimento foi realizado com expectativa de lucro?
e) O lucro decorrente do investimento resulta de esforços do empreendedor ou de terceiros, e não do próprio investidor?
Dessa forma, o modelo de Condo-Hotel é, de forma técnica, um valor mobiliário que se enquadra na acepção de CIC, na forma delineada no artigo supramencionado. Isso porque, na captação de recursos para desenvolvimento de projetos hoteleiros por meio do modelo de Condo-Hotel, as unidades autônomas adquiridas pelos vários investidores são administradas pelos operadores especializados, que distribuem os resultados financeiros do empreendimento aos respectivos proprietários.
3. Atuação da CVM em Relação aos Condo-Hotéis
Nos termos do art. 19, caput, da Lei nº 6.385/76, são vedadas as emissões públicas de valores mobiliários sem registro prévio na CVM. Sem adentrar na diferença doutrinária entre emissões públicas (conforme mencionado pela lei) e ofertas públicas, é importante estabelecer que a atuação do órgão regulador deve, por princípio, incidir sobre quaisquer ofertas que apelem à poupança popular. Nesse sentido, o § 5°, I, do mesmo art. 19 confere competência à CVM para definir outras situações que sejam consideradas emissões públicas para fins de registro.
3.1. Regulamentação
Apesar de, como já mencionado, o CIC ter sido incluído no rol de valores mobiliários da Lei nº 6.385/76 desde 2001, o mesmo não foi rapidamente assimilado pelo mercado como tal, em razão de suas particularidades.
Todavia, com a crescente do mercado imobiliário hoteleiro no país, e do modelo de Condo-Hotel para captação de investimentos, em dezembro de 2013, a CVM emitiu um alerta ao mercado tratando da caracterização dos Condo-Hotéis como valores mobiliários. A autarquia entendeu que a oferta de Condo-Hotéis configurava captação irregular de poupança popular, promovidas, em regra, por incorporadores e corretores de imóveis, por meio da oferta pública de oportunidades de investimento em empreendimentos imobiliários hoteleiros. A partir de então, a posição da autarquia sobre o tema ficou clara, e ela passou a atuar mais fortemente na fiscalização dos empreendimentos dos Condo-Hotéis.
Em 2015, publicou a Deliberação 734, que regulou o tema e estabeleceu requisitos para a dispensa de registro dessa modalidade de CIC. Posteriormente, no ano de 2018, foi editada a Instrução CVM 602, que revogou a Deliberação 734; e, em março de 2022, veio a atual Resolução CVM 86 (RCVM 86), que revogou a Instrução 602 e firmou as mais recentes diretrizes sobre: o pedido de registro da oferta, o conteúdo da oferta e do material publicitário, os critérios de dispensa de registro, entre outros temas relevantes.
A RCVM 86 une esforços para conciliar ainda mais o mercado com as peculiaridades do modelo de Condo-Hotel, de modo que protege os investidores, garante a transparência das operações e previne práticas abusivas no mercado, ao mesmo tempo que viabiliza o crescimento do setor hoteleiro no Brasil.
3.2. Registro da Oferta Pública
Nessa toada, a RCVM 86 estabelece regras detalhadas para o processo de registro de ofertas públicas de Contratos de Investimento Coletivo Hoteleiros, abrangendo desde o pedido de registro até o início e o encerramento da distribuição.
O pedido de registro deve ser instruído com um conjunto abrangente de documentos, conforme previsto no art. 6º da Resolução. Entre os principais documentos exigidos estão:
a) Prospecto da Oferta: Documento essencial que apresenta informações claras e precisas sobre o empreendimento, incluindo os riscos envolvidos;
b) Estudo de Viabilidade Econômica e Financeira: Análise técnica que comprova a viabilidade do projeto e embasa as expectativas de retorno aos investidores;
c) Declarações de Veracidade: Declarações formais do ofertante e do operador hoteleiro, assegurando a autenticidade e a conformidade das informações fornecidas e
d) Minutas Contratuais: Cópias preliminares de todos os instrumentos que regulamentam a oferta, garantindo a transparência das relações jurídicas e financeiras do CIC.
A Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE), da CVM, tem o prazo máximo de 60 (sessenta) dias para análise do pedido de registro, contado a partir do protocolo completo de todos os documentos exigidos. Caso a SRE não se manifeste dentro desse prazo, o registro será automaticamente deferido, garantindo maior previsibilidade ao processo.
Um ponto que gera dúvidas entre os participantes do mercado é o custo envolvido no registro da oferta. Contrariando a percepção de valores exorbitantes, a taxa de registro é calculada de forma proporcional, com base em 0,03% do valor total da oferta, sendo respeitado o valor mínimo de R$ 809,16.
Após a obtenção do registro, o ofertante tem até 180 (cento e oitenta) dias para comunicar formalmente à SRE o anúncio de início de distribuição. O descumprimento desse prazo resulta na caducidade do registro, o que inviabiliza a realização da oferta e gera potenciais prejuízos ao empreendimento.
Essa estrutura normativa demonstra o esforço da CVM em assegurar um ambiente de negócios transparente e equilibrado, promovendo a proteção do investidor e o desenvolvimento sustentável do setor hoteleiro.
3.3. Fiscalização
Diante do forte posicionamento da CVM nos últimos anos no que diz respeito ao registro de ofertas públicas de CIC Hoteleiros, a ausência deste registro ou de sua dispensa é tratada pela autarquia como infração grave. Em 2022, a CVM emitiu advertências e suspendeu atividades de diversos empreendedores e intermediários que realizaram ofertas públicas de Condo-Hotéis sem autorização.
Um desses casos foi o Processo Sancionador (Processo SEI nº 19957.005011/2020-67) instaurado pela SRE em face da Vista Azul Negócios Imobiliários Ltda. e de Lucas Izoton Vieira, em razão da realização de oferta pública de CIC Hoteleiro, relativa ao empreendimento hoteleiro denominado Vista Azul Residencial e Meeting Center, localizado no município de Domingos Martins/ES, sem a devida obtenção de prévio registro na CVM ou sua dispensa. Na ocasião, o Colegiado, acompanhando o voto da Diretora Relatora Flávia Perlingeiro, decidiu, por unanimidade, pela condenação da Vista Azul Negócios Imobiliários Ltda. e de Lucas Izoton Vieira à advertência formal.
Outro caso que ganhou conhecimento na seara dos Condo-Hotéis foi o do empreendimento imobiliário denominado “e/pic People & Art”, da incorporadora Apolo Participações Ltda. Neste, a área técnica da SRE identificou o uso de material publicitário no site https://epicpoa.com.br/, caracterizando esforço de venda do valor mobiliário, sem que a referida oferta pública tivesse sido registrada ou dispensada pela CVM. Dessa forma, a SRE procedeu com a suspensão da oferta pública.
Esses casos demonstram que a CVM vem atuando fortemente na fiscalização das ofertas públicas de CIC Hoteleiro, e que a inobservância das normas pode resultar em sanções administrativas, multas elevadas e até mesmo responsabilizações civis e criminais.
4. Conclusão
O crescimento expressivo do mercado imobiliário na última década, especialmente no segmento de condo-hotéis, atraiu a atenção da Comissão de Valores Mobiliários, que passou a atuar de forma mais incisiva na regulação desse modelo de negócio. A classificação dos condo-hotéis como Contratos de Investimento Coletivo trouxe maior clareza jurídica e reforçou a necessidade de registro das ofertas públicas, alinhando o setor aos princípios de transparência e segurança do mercado de capitais.
O registro da oferta pública de CICs Hoteleiros não é apenas uma exigência legal, mas também uma ferramenta indispensável para proteger os investidores e assegurar a sustentabilidade dos empreendimentos. Ele oferece vantagens significativas, como a formalização e a padronização das informações apresentadas ao mercado, além de garantir maior credibilidade ao projeto. Para os investidores, isso se traduz em maior confiança na viabilidade econômica e na governança do empreendimento, reduzindo os riscos de fraudes e irregularidades.
Além disso, para os ofertantes, o cumprimento das exigências da CVM mitiga riscos relacionados à atuação fiscalizadora e sancionadora da autarquia, cuja postura tem se tornado cada vez mais rigorosa. Esse alinhamento regulatório oferece maior segurança jurídica, contribuindo para a proteção e o sucesso no desenvolvimento do empreendimento.
Dessa forma, o atendimento às normas da CVM é um passo essencial para a consolidação de um mercado hoteleiro robusto e profissionalizado, que contribua para o desenvolvimento econômico e para a atração de novos investimentos no Brasil.
Referências Bibliográficas:
- BRASIL. Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm > Acesso em: 28 jan. 2025.
- COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Resolução Normativa nº 86, de 31 de março de 2022. Dispõe sobre a oferta pública de distribuição de contratos de investimento coletivo hoteleiro e revoga a Instrução CVM nº 602, de 27 de agosto de 2018. Disponível em: < https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol086.html > Acesso em: 28 jan. 2025.
- Comissão de Valores Mobiliários (CVM). CVM suspende oferta de condo-hotel referente ao empreendimento “E-PIC People Art”. Publicado em 08 de fevereiro de 2022. Disponível em: < https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2022/cvm-suspendeofertade-condo-hotel-referente-ao-empreendimento-2018e-pic-people-art2019.> Acesso em: 28 jan. 2025.
- Comissão de Valores Mobiliários (CVM). CVM adverte acusados por realização de oferta de condo-hotel sem registro na CVM ou dispensa”. Publicado em 15 de fevereiro de 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2022/cvm-adverte-acusados-por-realizacao-de-oferta-de-condo-hotel-sem-registro-na-cvm-ou-dispensa.> Acesso em: 28 jan. 2025.