ARTIGO PSJ
A Incidência do Laudêmio em Terrenos de Marinha e os Desafios na Regularização Imobiliária
1. Introdução | 2. Conceito e Características | 3. Das Alterações Permitidas | 4. Laudêmio: Tributo ou Encargo Administrativo? | 5. Impactos Socioeconômicos e Ambientais | 6. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
O laudêmio é um instituto que remonta ao período colonial brasileiro, sendo aplicado como uma compensação financeira paga à União nas transferências onerosas de domínio útil de imóveis situados em terrenos de marinha. Embora histórico, o instituto continua a gerar controvérsias quanto à sua relevância econômica, impacto sobre a regularização imobiliária e alinhamento com os princípios constitucionais contemporâneos.
2. O CONCEITO DE LAUDÊMIO E TERRENOS DE MARINHA
O laudêmio é uma obrigação pecuniária devida pelo ocupante de um terreno de marinha quando ocorre a transmissão onerosa do domínio útil do imóvel. Trata-se de um pagamento correspondente a 5% do valor venal do imóvel, apurado com base nos critérios estabelecidos pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Terrenos de marinha, por sua vez, são áreas localizadas até 33 metros para o interior a partir da linha média das marés altas, conforme definido pelo Decreto-Lei nº 9.760/46. Esses terrenos pertencem à União e são ocupados por particulares sob regime de enfiteuse. A União possui em todo território mais de 750 mil imóveis que são regidos pelo sistema de enfiteuse, tratando-se do direito do uso e gozo de um imóvel alheio, obrigando-o a pagar uma renda anual. Esses imóveis possuem dupla dominialidade, com a propriedade dividida entre a União e o enfiteuta (PEDROSO, 2017). Ademais, com a crescente movimentação de operações imobiliárias no litoral do estado de Pernambuco, essa temática se torna mais evidente e discutida.
3. OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELOS OCUPANTES
Nesse contexto, a regularização de terrenos de marinha enfrenta desafios burocráticos e maçantes. Exemplo disso é o próprio procedimento de demarcação de terrenos de marinha, que por muitas vezes se mostra um processo demorado e custoso, gerando conflitos sobre a titularidade e um lapso temporal para conclusão bastante extenso. A falta de clareza na linha de preamar média de 1831, marco temporal utilizado para definição dessas áreas, é uma das principais fontes de litígio, demonstrando a insegurança jurídica que permeia a demarcação destes terrenos.
Além do laudêmio, os ocupantes também devem arcar com o pagamento de foro anual e taxas de ocupação, em que, com base na valorização dos imóveis situados em terrenos de marinhas, representará muitas vezes a incidência de custos elevados para adimplemento fiscal, criando uma sobrecarga financeira que desestimula a regularização.
Ademais, a típica burocracia excessiva nos processos de regularização imobiliária impõe encargos significativos aos responsáveis legais por esses terrenos. Esses procedimentos, caracterizados pelo cumprimento de exigências documentais e pela morosidade na tramitação administrativa junto a cartórios e órgãos competentes, acabam dificultando a conclusão dos processos e gestão destes ativos imobiliários.
Com base no cenário descrito, é evidente a influência que o laudêmio exerce sobre a dinâmica do mercado imobiliário, especialmente em regiões litorâneas e de alto valor econômico. Muitos proprietários enfrentam dificuldades para negociar seus imóveis devido ao custo adicional imposto por essa obrigação pecuniária. Nesse contexto, é importante destacar que a elevada carga tributária incidente nas transferências imobiliárias impacta diretamente a liquidez do mercado, reduzindo o interesse de investidores e compradores, além de alterar os termos das negociações. Ademais, a insegurança jurídica associada a questões de demarcação desestimula transações imobiliárias nas áreas afetadas, ampliando as dificuldades enfrentadas pelos envolvidos.
4. LAUDÊMIO: TRIBUTO OU ENCARGO ADMINISTRATIVO?
A natureza jurídica do laudêmio tem sido amplamente debatida. Alguns doutrinadores o consideram um tributo, enquanto outros o classificam como um encargo administrativo vinculado ao regime de aforamento. Independentemente da classificação, questiona-se sua compatibilidade com os princípios constitucionais de capacidade contributiva, razoabilidade e proporcionalidade (MACHADO, 2020).
Um dos principais pontos de crítica é que o laudêmio incide sobre o valor total do imóvel, não levando em consideração os investimentos realizados pelo ocupante para melhorias e construções. Além disso, o instituto não se alinha ao princípio da função social da propriedade, que estabelece que o direito de propriedade não é absoluto, devendo atender a finalidades que beneficiem a sociedade. No Brasil, tal princípio está consagrado no artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal, e determina que a propriedade deve cumprir seu papel social ao promover o bem-estar coletivo, respeitar o meio ambiente, garantir a justiça social e contribuir para o desenvolvimento econômico e urbano equilibrado. Ao desestimular a circulação e regularização dos imóveis, o laudêmio vai contra este princípio constitucional, se tornando um empecilho para o exercício legal do direito.
Cabe ressaltar ainda que a regularização de terrenos de marinha, regulada pelo Decreto-Lei nº 9.760/46 e pela Lei nº 13.240/2015, enfrenta resistência e interpretações divergentes, apesar de avanços como a venda direta de terrenos da União. Propostas de reforma incluem a extinção do laudêmio, por sua perda de função histórica, a revisão de seus critérios de cálculo para excluir benfeitorias, a simplificação do processo com tecnologias de georreferenciamento e a criação de incentivos fiscais, como a aplicação de descontos ou oportunidade para parcelamentos, objetivando o aumento na adesão à regularização, aumentando a arrecadação e a segurança jurídica dos ocupantes. Essas medidas visam equilibrar a arrecadação estatal com os princípios constitucionais de justiça fiscal, função social da propriedade e desenvolvimento sustentável.
5. IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS E AMBIENTAIS
Os terrenos de marinha possuem grande relevância socioeconômica, estando localizados, em sua maioria, em regiões metropolitanas ou áreas de alto valor turístico. A falta de regularização impede que essas áreas sejam plenamente utilizadas para fins comerciais, residenciais ou de preservação ambiental.
Ademais, a gestão inadequada desses terrenos pode levar à ocupação desordenada, causando impactos ambientais, como a degradação de manguezais e zonas costeiras. Uma regularização eficiente poderia promover o uso sustentável desses territórios, alinhando interesses públicos e privados (OLIVEIRA, 2021).
6. CONCLUSÃO
A incidência do laudêmio e as operações imobiliárias sobre terrenos de marinha representam desafios à prática da regularização imobiliária no Brasil, exigindo soluções que equilibrem os interesses arrecadatórios da União com os princípios constitucionais de justiça fiscal e função social da propriedade. A revisão do modelo legal vigente, acompanhada de medidas que incentivem a adesão à regularização e promovam a preservação ambiental pelos ocupantes, são essenciais para garantir a segurança jurídica e o desenvolvimento sustentável das regiões costeiras.
REFERÊNCIAS
COSTA, Maria Clara. Terrenos de marinha e a insegurança jurídica: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora Jurídica, 2018.
PEDROSO, Regina. Regularização de Imóvel no litoral. Publicação 19/04/2017.
MACHADO, José Augusto. Laudêmio e seu impacto no mercado imobiliário. Revista Brasileira de Direito Imobiliário, v. 25, n. 3, 2020.
OLIVEIRA, Ana Beatriz. A burocracia na regularização de terrenos da União. Porto Alegre: Editora do Sul, 2021.
SANTOS, João Pedro. Histórico e perspectivas do laudêmio no Brasil. Revista de Direito Tributário, v. 18, n. 2, 2020.
SECRETARIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO. Relatório Anual de Gestão de Terrenos de Marinha. Brasília: SPU, 2019.