ARTIGO PSJ
COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS: A LEGALIDADE DA TAXA DIFERENCIADA PARA COBERTURAS EM EDIFÍCIOS
1. Introdução | 2. Aspectos Legais e Jurisprudenciais | 3. Conclusão
1. Introdução
Questão que pode gerar desentendimentos em condomínios é aquela que refere à legalidade, ou não, da cobrança de taxa condominial diferenciada dos condôminos que residem nas coberturas dos edifícios.
Não há unanimidade em relação ao tema, porém o entendimento que prevalece atualmente é no sentido de ser possível sim, essa cobrança diferenciada, desde que preenchidos determinados requisitos.
O presente artigo abordará o tema, inclusive com análise jurisprudencial sobre a matéria.
2. Aspectos Legais e Jurisprudenciais
O Código Civil prevê a contribuição das despesas do condomínio pelos condôminos na proporção de suas frações ideais, salvo se a Convenção de Condomínio dispuser de forma diferente (art. 1.336, I):
“Art. 1.336. São deveres do condômino:
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;” (sem grifos no original)
Do mesmo modo, o art. 12, § 1º, da Lei nº 4.591/64 prevê:
“Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.
§ 1º Salvo disposição em contrário na Convenção, a fixação da quota no rateio corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade.” (sem grifos no original)
Assim, se a Convenção de Condomínio for omissa quanto a esse assunto, vale a previsão da lei, ou seja, os condôminos pagarão as taxas condominiais na proporção das suas frações ideais.
Mas, afinal, o que é fração ideal¹ ? Grosso modo, é quanto do condomínio pertence a cada condômino, somando a parte comum e a parte privativa de cada unidade. A fração ideal é expressa de forma decimal ou ordinária e é identificada no instrumento de instituição do condomínio.
Assim, quando a taxa condominial é cobrada com base na fração ideal de cada unidade, unidades com área privativa maior e, consequentemente, com maior fração ideal, pagarão mais do que as unidades menores. Nessa linha de raciocínio, se o mesmo Edifício possui uma cobertura com 300 m2 e apartamentos com 150 m2, a cobertura pagará uma taxa maior que a dos outros apartamentos, proporcional à sua fração ideal.
Nesse ponto, é importante registrar, em respeito à dialética, que há corrente doutrinária que considera fração ideal como um conceito dissociado do conceito de tamanho ou valor da unidade imobiliária. Esse é o posicionamento de Cristiano O. S. B. Schiller, conforme se denota de trecho de seu artigo acerca do tema: “cabe notar que nada impede que a cobrança esteja, simplesmente, atrelada à fração ideal e esta, por sua vez, não tenha qualquer relação perceptível com o tamanho, custo de construção ou valor de determinada unidade autônoma ou a sua utilização do condomínio, haja vista que a fração ideal não possui forma de cálculo prevista em lei, ainda que exista uma praxe, do mercado, de calculá-la tomando por base o coeficiente de proporcionalidade”.
Prosseguindo na nossa análise, outra hipótese é a Convenção acabar repetindo o que consta na lei como ocorreu, exemplificativamente, com a previsão constante do art. 37 da Convenção de um condomínio, utilizado aqui para fins exemplificativos, assim redigido:
“Art. 37. As despesas ordinárias e extraordinárias serão rateadas entre todos os condôminos de acordo com a fração ideal de sua unidade, nos valores e datas de pagamento fixados em assembleia geral.” (sem grifos no original)
Uma terceira possibilidade é a Convenção conter previsão diversa do que consta da lei, o que é permitido e ocorreu no art. 20 da Convenção de Condomínio referida no Agravo em Recurso Especial nº 1.837.019 – AL (decisão de 30.06.2021, da Relatoria do Ministro Marco Buzzi, publicada no DJe/STJ de 01.07.2021), conforme segue:
“Art. 20. [...] Parágrafo Único – Os condôminos concorrerão para o custeio das despesas, mensalmente, na proporção de suas unidades autônomas”.
O entendimento que o STJ teve em relação a esse caso concreto foi que a Convenção do Edifício apresenta disposição diversa do que está previsto na lei, resolvendo fixar como parâmetro de contribuição para as despesas condominiais a proporção de suas unidades autônomas (que não se confunde com ‘fração ideal’), ou seja, cada condômino paga as taxas conforme a quantidade de apartamentos que possui, independentemente do tamanho dos mesmos. Assim, o condômino que mora na unidade 001, por exemplo, pagará, a título de taxa condominial, o mesmo valor daquele que mora na cobertura cuja dimensão é maior do que as demais unidades. Mas por que se decidiu assim nesse caso concreto? Porque é o que está escrito na Convenção do Edifício e a lei permite que assim seja.
Então é correto concluir, com base na decisão proferida no Agravo em Recurso Especial nº 1.837.019 – AL, que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) definiu que todos os que moram em coberturas e, portanto, têm apartamentos maiores que os demais, pagarão taxas condominiais iguais aos demais condôminos? Não e não!
O valor da taxa de condomínio será cobrado por fração ideal ou por unidade, a depender do que constar da Convenção e, se esta for omissa, será cobrado por fração ideal, como diz a lei.
Aliás, cabe mencionar decisão também proferida pelo STJ, no Recurso Especial nº 1.778.522 – SP (decisão de 02.06.2020, da Relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, publicada no DJe/STJ de 04.06.2020), que esclarece, de forma expressa, que: “as unidades imobiliárias com fração ideal maior pagarão taxa condominial em valor superior às demais unidades com frações menores, salvo previsão contrária na convenção”.
Na mesma linha de raciocínio, ou seja, entendendo como plenamente legítima a cobrança de taxa condominial com base na proporção das frações ideais e, portanto, a cobrança de valores maiores das coberturas, manifestou-se o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco em recente julgado. Vejamos:
“Direito Civil. Apelação. Taxa Condominial. Cobrança Proporcional à Fração Ideal do Imóvel. Previsão em Convenção de Condomínio. Critério de Rateio Previsto na Convenção de Condomínio. Legitimidade.
1. As despesas condominiais serão rateadas de acordo com a proporção das frações ideais dos imóveis, salvo disposição em contrário da convenção (artigo 1.336, inciso I, do Código Civil). 2. A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos (Súmula 260, STJ).
3. Afigura-se legítimo o critério de rateio da taxa condominial com base na proporção das respectivas frações ideais quando previsto na convenção de condomínio.
4. Apelação a que se nega provimento.” (sem grifos no original)
(TJPE – Apelação Cível nº 0083392-29.2022.8.17.2001, Relator: Desembargador Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima, Data de Julgamento: 25.04.2024, 1ª Câmara Cível).
3. Conclusão
A legislação permite a cobrança de taxas condominiais diferentes, de acordo com as frações ideais.
Por seu turno, a Convenção pode ser omissa quanto ao tema - hipótese em que valerá o critério legal de cobrança com base nas frações ideais - ou poderá definir uma forma diversa de cobrança das quotas condominiais, estabelecendo, por exemplo, que será cobrado o mesmo valor de todos os condôminos. Como a Convenção é soberana, caso defina um critério de cobrança diferente do que consta da lei, valerá a previsão constante da Convenção.
Assim, se o critério adotado for o da fração ideal, é legal e legítimo cobrar dos proprietários das coberturas taxas condominiais mais elevadas, por terem frações ideais maiores.
Recorde-se que é factível, respeitados os quóruns das assembleias, a alteração, pelos próprios condôminos, do que está previsto na Convenção em vigor.
A intervenção do Poder Judiciário para alteração do critério de rateio de despesas condominiais só se dá em situações excepcionais e não com base na discussão da justiça do método (AgInt no AREsp nº 1.657.456/PR, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 28.11.2022, DJe de 30.11.2022).
Evidentemente, o condômino irresignado poderá ir ao Poder Judiciário requerer a declaração de nulidade da cláusula de Convenção ou de decisão de assembleia que disponha sobre o pagamento em dobro ou a maior de cota condominial das coberturas. Contudo, caso seu pleito não seja acolhido pelo Judiciário, será condenado no pagamento das despesas processuais, dentre elas custas e honorários advocatícios sucumbenciais.
______________
(1) No Código Civil, consta o seguinte em relação à fração ideal:
“Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
[...]
§ 3º A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.”
“Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:
[...]
II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;”
Referências:
- BRASIL. Lei nº 4.591/64, de 16 de dezembro de 1964 – Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.
- BRASIL. Lei nº 10.406/64, de 10 de janeiro de 2002 – Institui o Código Civil.
- Schiller, Cristiano O.S.B. Fração ideal, área do imóvel e despesa condominial: análise crítica do Resp 1.778.522-SP. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-edilicias/333437/fracao-ideal--area-do-imovel-e-despesa-condominial--analise-critica-do-resp-1-778-522-sp Acesso em 01.10.2024.
- Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agravo em Recurso Especial nº 1.837.019 - AL. Relator: Ministro Marco Buzzi. Quarta Turma. Julgado em 30 de junho de 2021. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 01 de julho de 2021.
- Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1.778.522 – SP. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Terceira Turma. Julgado em 02 de junho de 2020. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 04 de junho de 2020.
- Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agravo Interno em Recurso Especial nº 1.657.456 – PR. Relator: Ministro Moura Ribeiro. Terceira Turma. Julgado em 28 de novembro de 2022. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 30 de novembro de 2022.
- Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Apelação Cível nº 0083392-29.2022.8.17.2001. Relator: Desembargador Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima. 1ª Câmara Cível. Julgado em 25 de abril de 2024.