ARTIGO PSJ
CONSÓRCIOS IMOBILIÁRIOS: ASPECTOS JURÍDICOS ESSENCIAIS PARA UMA CONTRATAÇÃO SEGURA
1. Introdução| 2. Principais Aspectos Jurídicos| 3. Aspectos Favoráveis e Desfavoráveis | 4. Conclusão
1. Introdução
O consórcio, de modo geral, é um negócio jurídico tipicamente brasileiro. Surgiu no início da década de 1960, quando alguns funcionários do Banco do Brasil tiveram a ideia de formar um grupo com a finalidade de arrecadar recursos para que cada um dos membros adquirisse um automóvel. Dessa forma, cada um contribuía com o valor de uma parcela e, após um período, todos obtinham o valor total de um veículo.
Esse tipo de negócio se tornou bastante popular no Brasil ao longo dos anos, sobretudo para a aquisição de veículos, principalmente por não envolver a cobrança de juros remuneratórios, como ocorre nos contratos de financiamento. Contudo, atualmente, o sistema de consórcios viabiliza a aquisição de implementos agrícolas, computadores e até imóveis. É sobre estes que trataremos a seguir, a fim de pontuar os principais aspectos jurídicos envolvidos no negócio, as características do contrato e os pontos que merecem atenção para aqueles que desejam adotar o consórcio imobiliário como meio para a aquisição de um imóvel.
2. Principais Aspectos Jurídicos
O consórcioé uma forma de autofinanciamento desenvolvida no Brasil, por meio da qual é possível adquirir diversos tipos de bens, dentre os quais estão os imóveis. Este tipo de negócio é fiscalizado pelo Banco Central do Brasil e regido pela Lei nº 11.795/2008, que, em seu art. 2º, o define como:
Art. 2º- Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento.
O grupo formado pelos consorciados constitui uma sociedade não personificada, representada pela administradora. Esta será, de acordo com a lei, uma pessoa jurídica responsável pela administração do consórcio, o que inclui o recebimento e gestão de valores, organização de assembleias e prestação de contas. Via de regra, a administradora é uma instituição bancária que, em função dos serviços de administração do grupo, poderá cobrar uma taxa de administração, geralmente fixada em relação ao valor total do bem. A legislação prevê que esse percentual poderá ser definido livremente pela administradora.
Para o consumidor, o consórcio imobiliário é um contrato de adesão cujo objetivo é a aquisição, pelo grupo de consorciados, de um imóvel mediante o pagamento de uma cota mensal, que corresponde ao valor da parcela do imóvel a ser adquirido, somado ao valor da taxa de administração, ao fundo de reserva e, por vezes, à mensalidade do seguro, por um prazo previamente definido. Periodicamente, uma das partes é contemplada com uma carta de crédito no valor do imóvel, devendo ser utilizada para sua aquisição pelo consorciado.
É permitido, ainda, aos consorciados, apresentar lances durante as assembleias, a fim de obter a carta de crédito mais rapidamente. Estes lances correspondem ao percentual restante para a quitação do valor do consórcio e podem ser feitos de diversas formas, conforme as regras apresentadas pela administradora.
Assim, ao anunciar o consórcio, a administradora deverá informar aos interessados o valor do imóvel a ser adquirido, a quantidade de parcelas que comporão o negócio, o valor da taxa de administração e do fundo de reserva, quando houver, e a forma como os lances podem ser ofertados.
A administradora cotará o valor do imóvel e distribuirá este valor em um número determinado de parcelas. Sobre esse valor, ela indicará a taxa de administração e a diluirá na quantidade de parcelas a serem pagas pelos consorciados. Além da taxa de administração, é permitida a cobrança de um valor adicional a título de fundo de reserva.
Esse fundo tem como função formar uma reserva adicional que poderá ser utilizada em casos de desequilíbrio financeiro por inadimplência dos demais consorciados ou para o pagamento de honorários advocatícios na recuperação de créditos. Embora o fundo de reserva não seja obrigatório, exerce uma função importante para a manutenção do valor das parcelas do consórcio.
Além disso, não é raro que a administradora imponha a contratação de um seguro em conjunto com o consórcio. Os seguros mais comuns, nesse caso, são o seguro de vida e o seguro prestamista, que garantem a quitação do negócio em caso de morte ou impossibilidade de pagamento das parcelas pelo contratante.
No entanto, não há previsão legal para a contratação dos referidos seguros. Por essa razão, a imposição da contratação é considerada uma prática abusiva, podendo a cláusula que os impõe ser considerada nula, em caso de contestação pelo consumidor.
Cabe lembrar que o contrato de consórcio é um contrato de adesão, ou seja, inexiste a possibilidade de negociar as cláusulas contratuais. Por essa razão, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor para solucionar eventuais divergências que possam surgir ao longo da contratação.
Um ponto interessante a ser destacado diz respeito ao percentual da taxa de administração. Isso porque, embora o Decreto nº 70.951/72 determine que a taxa de administração cobrada por sociedades civis não poderá ser superior a 10% (dez por cento) quando o valor do bem for superior a 50 (cinquenta) salários mínimos, o Superior Tribunal de Justiça entende que esse limite não é aplicável aos consórcios. Tal entendimento foi pacificado pela Súmula 538, que dispõe:
Súmula 538
“As administradoras de consórcio têm liberdade para estabelecer a respectiva taxa de administração, ainda que fixada em percentual superior a dez por cento” (REsp 1.114.604 e REsp 1.114.606).
Dessa forma, embora se trate de um contrato de adesão, o consorciado não poderá alegar abusividade no valor da taxa de administração, caso esta seja superior a 10% (dez por cento) do valor do imóvel. Por isso, é de suma importância que o contratante analise cautelosamente o contrato, sobretudo o valor da referida taxa.
No que tange aos aspectos jurídicos, deve-se destacar que sobre a carta de crédito recebida, quando da contemplação, não incide imposto de renda, cabendo ao contemplado apenas arcar com os valores referentes ao registro e impostos de transferência do imóvel adquirido, em relação aos quais a administradora não será responsável.
Importa pontuar que, em caso de desistência do contratante que ainda não tenha sido contemplado, os valores pagos até então só serão restituídos após o encerramento do grupo, descontadas as multas e penalidades contratualmente previstas. Por outro lado, o consorciado que já tenha sido contemplado não poderá desistir do negócio, uma vez que já usufruiu da carta de crédito. Assim, caso fique inadimplente, a administradora poderá promover todos os atos necessários à recuperação do crédito.
3. Aspectos Favoráveis e Desfavoráveis
A contratação de um consórcio imobiliário requer uma análise detalhada das condições apresentadas pela administradora, ponderando-se as suas vantagens e desvantagens. Contudo, um dos pontos mais favoráveis desse tipo de negócio é a ausência de juros remuneratórios. Isso significa que, ao longo do período de duração do consórcio, as parcelas sofrerão apenas o reajuste anual de acordo com o índice fixado no contrato e acompanharão as alterações de valor do imóvel no mercado, a fim de que a inflação não comprometa o valor real da carta de crédito.
Outro ponto positivo desse tipo de contratação é a possibilidade de utilizar o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nos lances, com vistas a garantir a contemplação. Nesse caso, é possível utilizar até 100% (cem por cento) do valor depositado na conta vinculada e garantir a compra do imóvel. Em caso de débitos em aberto, também é possível utilizar até 80% (oitenta por cento) do FGTS para quitar parcelas vencidas.
Por outro lado, quem pretende adquirir um imóvel por meio de consórcio deve considerar que poderá demorar a receber o bem, dado o lapso de tempo entre a contratação e a contemplação. Assim, este pode não ser o tipo de negócio ideal para aqueles que têm pressa em estar na posse do imóvel.
Além disso, deve-se considerar que, em caso de desistência, o ressarcimento dos valores só será feito ao final do prazo estipulado em contrato e que o valor a ser restituído sofrerá o desconto de todas as penalidades contratualmente previstas. Isto porque, entende-se que a restituição dos valores pagos ao desistente poderia gerar prejuízo aos demais consorciados.
4. Conclusão
Diante do exposto, é possível observar que os consórcios imobiliários se mostram uma alternativa interessante para aqueles que desejam adquirir um imóvel sem sofrer com a cobrança de juros. Este, porém, não pode ser o único fator a ser considerado no momento da contratação.
Tendo em vista que se trata de um contrato de adesão e que não será possível rever a taxa de administração, caberá ao contratante analisar as condições oferecidas pela administradora de forma pormenorizada, preferencialmente com o auxílio de um advogado. A assessoria jurídica poderá auxiliar o possível consorciado a identificar os riscos aos quais estará sujeito em caso de contratação.
Bibliografia:
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- BRASIL. Decreto nº 70.951 de 09 de agosto de 1972. Regulamenta a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, que dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, e estabelece normas de proteção à poupança popular. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1971. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d70951.htm Acesso em: 02.09.2024.
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