ARTIGO PSJ

Contrato de Locação ou de Arrendamento de Terrenos para Geração Distribuída de Energia?

Portela Soluções Jurídicas

Escritório de Advocacia

1. Introdução | 2. O que é Geração Distribuída? | 3. O Marco Legal da Geração Distribuída, Lei nº 14.300/2022 | 4. Diferença entre Locação e Arrendamento | 5. Contrato de Locação ou de Arrendamento, qual a melhor opção? | 6. Conclusão


1. Introdução

A busca por energia limpa, renovável e sustentável é uma tendência global. No Brasil, a implementação de usinas de geração distribuída tem ganhado destaque no setor empresarial. Surge, então, a incerteza quanto à preferência entre a celebração de contratos de locação ou de arrendamento para viabilizar a geração distribuída.

Dado que muitos investidores não adquirem a propriedade do imóvel para estabelecer as usinas, são compelidos a considerar outras modalidades de negócio que possibilitem a posse dos locais para a implementação do empreendimento.

Contudo, persistem diversas dúvidas acerca da melhor opção: contrato de locação ou arrendamento de usina?

Este artigo visa a esclarecer essas questões, abordando as características das usinas de geração distribuída, os modelos de negócio disponíveis e as circunstâncias mais propícias para a aplicação de cada modalidade.


2. O que é Geração Distribuída?

A Geração Distribuída constitui o procedimento mediante o qual o consumidor, seja pessoa jurídica ou física, assume a responsabilidade pela produção autônoma de energia, a qual ocorre, normalmente, em proximidade à residência ou empresa do consumidor, podendo ser integral ou parcial em relação ao seu consumo.

Para exemplificar, ao optar por gerar energia por meio de fonte hídrica, o consumidor investe em uma usina hidrelétrica. Nesse contexto, a energia elétrica gerada é diretamente inserida na rede de distribuição da concessionária responsável pela região. A energia destinada ao consumo próprio é registrada pela rede concessionária, gerando créditos de energia que podem ser utilizados para compensar o consumo subsequente. Na geração compartilhada, onde o consumidor integra um consórcio ou cooperativa, é possível obter descontos na conta de luz.

Portanto, a usina de Geração Distribuída representa o local onde o consumidor realiza a geração autônoma de sua própria energia.

A implementação da geração distribuída requer uma infraestrutura industrial, independentemente da fonte utilizada, representada por uma usina, que opera com uma variedade de equipamentos específicos, tais como medidores, painéis fotovoltaicos, geradores de emergência, cogeradores, entre outros.

A locação desses equipamentos é comum, dada a complexidade envolvida na construção, e, de qualquer forma, a durabilidade e o desempenho da usina demandam a conformidade com padrões técnicos rigorosos para operação e manutenção, implicando em custos significativos. Além disso, deve-se considerar a carga tributária incidente sobre a operação e os custos de conexão à rede da concessionária de distribuição regional.

Apesar do substancial investimento inicial, a Geração Distribuída no Brasil registrou um aumento de 77,83% em 2020, em comparação com o ano anterior, conforme dados fornecidos pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica.

Portanto, os consumidores têm percebido que, apesar do elevado investimento inicial, a geração distribuída representa uma estratégia eficaz para a redução das despesas a longo prazo. O retorno financeiro torna-se evidente em poucos anos, considerando a longa vida útil dos equipamentos envolvidos.


3. O Marco Legal da Geração Distribuída, Lei nº 14.300/2022

A Lei nº 14.300/2022 estabeleceu o arcabouço legal para a geração distribuída no Brasil, conferindo aos consumidores a capacidade de produzir sua própria energia elétrica ou participar da cogeração qualificada de energia renovável, com a possibilidade de negociar o excedente.

Dispõe o artigo 10 acerca da proibição das distribuidoras de incluir consumidores em sistemas de compensação de energia elétrica quando o documento de posse ou propriedade do imóvel contemplar valores de pagamento de aluguel ou arrendamento por unidade de energia elétrica.

Isso implica que a energia gerada em unidades instaladas em terrenos alugados ou arrendados não pode ser compensada como pagamento do contrato de locação ou arrendamento, sendo considerada um custo variável mensal em conformidade com a quantidade gerada de energia/créditos.

Ao acatar essa regulamentação, as distribuidoras asseguram que a geração distribuída seja utilizada de maneira justa e eficaz, sem prejudicar nenhuma das partes envolvidas. Ademais, a geração distribuída contribui para a sustentabilidade ambiental ao utilizar fontes renováveis de energia, ao mesmo tempo que promove a segurança energética, reduzindo a dependência de fontes externas.

Em síntese, a Lei nº 14.300/2022 estabeleceu o referencial legal para a geração distribuída de energia elétrica no Brasil, regulamentando a micro e minigeração distribuída e viabilizando aos consumidores a produção autônoma de energia ou a participação na cogeração. Essa regulamentação é essencial para garantir a segurança energética, o cumprimento das responsabilidades socioambientais e sustentáveis, bem como a equidade na utilização da energia gerada pela geração distribuída.

A maioria dos empreendedores não expressa interesse em adquirir a propriedade onde suas usinas solares, por exemplo, serão instaladas, optando por alternativas que garantam sua posse.

A comprovação dessa posse é essencial ao solicitar o acesso e a conexão da usina à rede da distribuidora local. Esta obrigatoriedade está estabelecida no artigo 10 da Lei nº 14.300/2022, que determina:

A concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica não pode incluir consumidores no SCEE quando for detectado, no documento que comprova a posse ou propriedade do imóvel onde se encontra instalada ou será instalada a microgeração ou minigeração distribuída, que o consumidor tenha alugado ou arrendado terrenos, lotes e propriedades em condições nas quais o valor do aluguel ou do arrendamento se dê em real por unidade de energia elétrica.


4. Diferença entre Locação e Arrendamento

Sob uma perspectiva jurídica, a diferenciação entre locação e arrendamento reside nas obrigações e transferências de direitos entre as partes envolvidas. No contrato de locação, a parte denominada locador concede ao locatário o direito temporário de usar e gozar de um bem específico, mediante o pagamento de um aluguel. O locador mantém a propriedade e responsabilidade pelo bem, enquanto o locatário usufrui dos benefícios temporários, sem assumir o controle total ou responsabilidades econômicas mais amplas.

Em contrapartida, o contrato de arrendamento envolve uma transferência mais substancial de direitos e responsabilidades. O arrendador cede ao arrendatário não apenas o uso do bem, mas também o controle e os benefícios econômicos associados a ele. Nesse arranjo, o arrendatário assume não apenas a posse, mas também responsabilidades produtivas e financeiras relacionadas ao bem.

A distinção jurídica entre locação e arrendamento é crucial, pois estabelece o alcance dos direitos e deveres das partes, moldando as relações contratuais e a natureza das transações envolvidas.


5. Contrato de Locação ou de Arrendamento, qual a melhor opção?

Conforme já observamos no decorrer do presente Artigo, a maioria dos consumidores não tem interesse na aquisição de propriedades para instalação de usinas de geração de energia. Diante dessa consideração, surge a opção pelo estabelecimento de contratos de arrendamento ou locação.

Esses contratos desempenham um papel crucial, assegurando a posse do imóvel responsável pela geração de energia, requisito indispensável para o acesso à rede distribuidora e para a compensação de energia elétrica.

De fato, a legislação vigente exige que o consumidor comprove a posse ou propriedade do imóvel onde está instalado o sistema de geração de energia elétrica. Portanto, ao optar por não adquirir a propriedade, o consumidor pode escolher a alternativa de alugar ou arrendar um terreno, comumente por um longo prazo, muitas vezes estabelecido em 25 anos, demandando uma escolha contratual precisa.

Quanto à distinção entre locação e arrendamento, no âmbito jurídico, repita-se, é de fundamental importância. Ademais, a localização do imóvel interfere diretamente na legislação que o regulamentará.

O contrato de arrendamento, embora comumente utilizado para a obtenção de posse de imóveis para a instalação de usinas, enfrenta obstáculos jurídicos, especialmente no contexto rural, uma vez que a Lei de Arrendamento Rural estabelece requisitos específicos, como a destinação rural do imóvel e o exercício de atividades agropecuárias ou agroindustriais.

A obtenção de posse por meio de contratos de arrendamento, por vezes, encontra resistência em cartórios de registro de imóveis, o que pode impactar na obtenção de financiamentos estruturados.

Diante desse cenário, muitas vezes, o contrato de locação, amparado pela Lei do Inquilinato, emerge como a opção mais segura, independentemente da área ser rural ou urbana, para empreendimentos que não estejam vinculados a atividades agropecuárias ou agroindustriais.

Em áreas urbanas, a formalização de contratos entre consumidores e proprietários de imóveis destinados à instalação de usinas de energia deve seguir as diretrizes do contrato de locação, conforme estabelecido pela Lei nº 8.245/91, conhecida como Lei do Inquilinato. Entretanto, quando a área designada para a construção da usina está situada em zona rural, o mais adequado é a celebração de um contrato de arrendamento rural, desde que preenchidos os seguintes requisitos:

(i) a localização do imóvel destinado ao arrendamento em área rural ou sua destinação rural e

(ii) a vinculação do arrendamento ao exercício de atividade agropecuária ou agroindustrial.

Assim, caso a geração de energia elétrica não se enquadre nas categorias de atividades agropecuárias ou agroindustriais, a escolha do contrato de locação, respaldado pela Lei do Inquilinato, é viável. Essa decisão é respaldada pela natureza comercial da atividade de geração de energia elétrica, tornando irrelevante o fato de a área estar localizada em zona rural.

A possibilidade de adaptação a essa realidade se baseia na interpretação analógica da Lei do Inquilinato. Isso porque, diante da ausência de disposição específica na legislação de regência da geração distribuída, aplica-se a lei que regula situações análogas, ou seja, a multicitada lei de locações. Assim, a escolha contratual apropriada é aquela alinhada com a Lei do Inquilinato, revelando-se, inclusive, mais vantajosa para os empreendedores de geração distribuída.

O artigo 8º da Lei do Inquilinato confere ao locatário o direito de registrar o contrato de locação no cartório de registro de imóveis da comarca do imóvel, proporcionando proteção contra terceiros adquirentes da área, que ficam obrigados a respeitar integralmente o contrato que contiver cláusula de vigência. Essa disposição é de suma importância para os empreendimentos de geração de energia distribuída, que, por sua natureza, demandam contratos de longa duração.

De qualquer forma, a escolha entre locação e arrendamento demanda uma análise minuciosa, sendo recomendável a orientação de profissionais qualificados para garantir a segurança jurídica necessária a esses contratos.


6. Conclusão

A Lei nº 14.300/2022 foi apresentada como o marco legal que regulamenta a geração distribuída, enfatizando a importância do cumprimento de suas diretrizes, para garantir uma utilização justa e eficiente da energia gerada.

A distinção jurídica entre locação e arrendamento foi esclarecida, ressaltando as responsabilidades e direitos únicos associados a cada modalidade. Em ambientes urbanos, a Lei do Inquilinato orienta os contratos de locação, enquanto em áreas rurais, o contrato de arrendamento rural é considerado a melhor opção, sujeito a requisitos específicos.

Por fim, destacamos a importância de contratos seguros e bem elaborados, com ênfase nas vantagens do registro do contrato de locação no cartório de registro de imóveis. A consulta a profissionais qualificados é recomendada para orientar a escolha entre locação e arrendamento, garantindo a segurança jurídica necessária para empreendimentos de geração distribuída.


Bibliografia:

· Entenda como funciona a locação de áreas para implantação de sistemas de geração distribuída de energia elétrica. Disponível em: https://solareli.com.br/entenda-como-funciona-a-locacao-de-areas-para-implantacao-de-sistemas-de-geracao-distribuida-de-energia-eletrica/

· Geração Distribuída. Disponível em: https://www2.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=757&idPerfil=2

· Lei nº 14.300 de 06 de janeiro de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14300.htm

· RIBEIRO, Thiago Baó. Melhor fazer contrato de locação ou arrendamento de usina para geração distribuída? Disponível em: https://baoribeiro.com.br/blog/contrato-de-locacao-ou-arrendamento-de-usina-para-geracao-distribuida/

· RIBEIRO, Leandro Baó. Locação de terrenos para construção de usina solar, como funciona?. Disponível em: https://baoribeiro.com.br/blog/locacao-de-terrenos-para-usina-solar/