ARTIGO PSJ
Da Inexistência de Fraude à Execução na Transferência de Bens de Família
1. Introdução | 2. Bem de Família e sua Previsão Legal| 3. Análise de Caso Concreto| 4. Conclusão
1. Introdução
O reconhecimento da fraude à execução foi objeto de diferentes interpretações ao longo do tempo, de acordo com a legislação de regência.
Num primeiro momento, considerava-se absoluta a presunção de fraude à execução nos casos em que a alienação do bem ocorria posteriormente à citação do alienante, nos autos da ação fiscal contra ele movida.
Posteriormente, a jurisprudência caminhou no sentido de que, para se admitir a hipótese de fraude à execução, era necessário que, antes da alienação, houvesse o registro da penhora no competente cartório, de modo a garantir a publicidade da constrição a terceiros de boa-fé.
Com o tempo, a jurisprudência passou a diferenciar a denominada "fraude civil" da "fraude fiscal", negando-se às execuções fiscais, inclusive, a aplicação da Súmula nº 375/STJ, que previa: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente"
Finalmente, com o advento da Lei Complementar nº 118/2005, que conferiu nova redação ao art. 185 do CTN, convencionou-se que a simples alienação de bens pelo contribuinte devedor de tributos regularmente inscritos em dívida ativa, sem a reserva de meios para a satisfação dos respectivos débitos tributários, pressupõe a existência de fraude à execução, em face da primazia do interesse público na arrecadação dos recursos para o uso da coletividade.
É dizer que o art. 185 do CTN, seja em sua redação original, seja na redação que lhe foi conferida pela LC n° 118/05, presume a ocorrência de fraude à execução quando, no primeiro caso, a alienação se dá após a citação do devedor na execução fiscal e, no segundo caso, a presunção ocorre quando a alienação é posterior à inscrição do débito tributário em dívida ativa. Segue a previsão do dispositivo legal:
Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.
2. Bem de Família e sua Previsão Legal
O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar. A Lei nº8.009, de 29 de março de 1990, em seu artigo 1º estabeleceu que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responde por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam.
Como disposto no seu artigo 3º, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução cível, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,ressalvando as hipóteses abaixo relacionadas:
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu co-proprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Por fim, em seu artigo 5°, o legislador definiu que para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata a lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
3. Análise de Caso Concreto
No julgamento AgInt no Agravo em Recurso Especial nº2174427 – RJ, os membros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceram a impenhorabilidade legal do bem de família, mesmo quando realizada após a constituição do crédito tributário.
No referido processo, a Fazenda Nacional se insurgia quanto à decisão proferida pelo juiz de primeiro grau que julgou procedente o pedido de afastamento da constrição do imóvel, sob o fundamento de que ainda que citado o executado, antes de transferir o bem a seu filho, restou comprovada a impenhorabilidade legal do bem.
Em sede de apelação, o Tribunal Regional deu provimento ao recurso do ente publico para julgar improcedente a ação do executado sob a fundamentação de que a despeito da importância da proteção contida na Lei n° 8.009/90, deve ser afastada a impenhorabilidade do imóvel, pois não se justifica tal proteção quando o doador procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a doação gratuita de seus bens para seu descendente, com objetivo de fraudar a execução.
Finalmente, a discussão foi levada ao Superior Tribunal de Justiça para que fosse definida a questão. Em seu voto, o Relator Ministro Gurgel de Faria considerou que as Turmas integrantes da Primeira Seção firmaram a tese segundo a qual, mesmo que o devedor aliene imóvel que sirva de residência sua e de sua família, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade, porque o imóvel em questão seria imune aos efeitos da execução, não havendo que se falar em fraude à execução na espécie.
Desta forma a decisão foi reformada, reconhecendo a legalidade da alienação do bem de família e descaracterizando a fraude à execução,como se observa pela leitura da ementa do julgado abaixo apresentada:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA. ALIENAÇÃO APÓS CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPENHORABILIDADE. MANUTENÇÃO. FRAUDE. INEXISTÊNCIA.
1. Ambas as Turmas da Primeira Seção desta Corte Superior adotam a orientação segundo a qual a alienação de imóvel que sirva de residência do executado e de sua família após a constituição do crédito tributário não afasta a cláusula de impenhorabilidade do bem, razão pela qual resta descaracterizada a fraude à execução fiscal. Precedentes.
2. Hipótese em que o tribunal regional, ao consignar que estaria configurada a fraude à execução com a alienação do bem imóvel após a constituição do crédito tributário, ante a desconstituição da proteção legal dada ao bem de família, posiciona-se de forma contrária a esse entendimento.
3. Agravo interno desprovido.
Em virtude do referido julgado, as Turmas integrantes da Primeira Seção firmaram a tese segundo a qual, mesmo que o devedor aliene imóvel que sirva de residência sua e de sua família, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade, porque, insista-se, o imóvel em questão seria imune aos efeitos da execução, não havendo que se falar em fraude à execução na espécie.
4. Conclusão
Observa-se que o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do caso sob análise, possibilita que os devedores que possuam um bem de família, possam preservar a continuidade da propriedade do imóvel por
meio da transferência da titularidade para seu familiar,resguardando a segurança de sua família.
Bibliografia:
– BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm
– BRASIL. Lei nº 8.009 de 29 de março de 1990, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm
- Informativo nº 791 18 de outubro de 2023 do Superior Tribunal de justiça, disponível em:https://www.stj.jus.br