ARTIGO PSJ
EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL
1. Introdução | 2. Antigo entendimento do INPI | 3. Ponderações | 4. Novo entendimento legal aplicado pelo INPI | 5. Conclusão
1. Introdução
A proteção de marcas e slogans sempre foi um assunto controverso perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Responsável pela proteção de marcas, patentes, desenhos industriais e demais bens cobertos pela propriedade industrial, a mencionada Autarquia sempre aplicou de forma ampla o entendimento de que qualquer marca, caso possua elemento que possa eventualmente ser considerado como de propaganda, deve ter o seu Pedido de Registro prontamente indeferido.
Este entendimento, conservador, atenta não apenas à função da marca, uma vez que produtos e serviços podem sim ser identificados por marcas com elementos de propaganda, quanto à própria Lei de Propriedade Industrial.
Após diversos debates com a sociedade civil, associações e perante o Judiciário, o INPI decidiu, recentemente, aprovar uma alteração no seu Manual de Marcas para que marcas que possuam elementos de propaganda possam ser protegidas.
2. Antigo entendimento do INPI
Segundo a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), em seu artigo 124, inc. VII:
“Art. 124 – Não são registráveis como marca:
(...)
VII - sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda;” (Grifo Nosso)
Apesar da ressalva supramencionada, o INPI segue o entendimento de que, qualquer Pedido de Registro de marca, ainda que possuidor de características distintivas e marcárias, deve ser indeferido caso possua algum elemento de slogan, de expressão de propaganda.
Este entendimento é corroborado pelo próprio texto do atual Manual de Marcas, ainda não revisado, segundo o qual, em seu item 5.9.4:
“Quando do exame, deve-se verificar se a expressão que compõe o sinal marcário contém:
Uma afirmação como meio de recomendar produto ou serviço que a mesma visa a assinalar;
Adjetivos ou expressões que visam destacar o produto ou serviço a ser assinalado em relação ao de seus concorrentes;
Frases ou expressões que visam atrair a atenção dos consumidores ou usuários.
Constatado algum dos fatos acima, há indícios de que o sinal ou a expressão requerida tem exclusivo caráter propagandístico.”
Apesar deste entendimento ser amplamente aplicado pela Autarquia, alguns Pedidos de Registro de marcas, seja através do Judiciário ou por meio de recursos, tiveram sucesso na concessão de seus direitos, exatamente por serem utilizados como marcas e possuírem as características distintivas suficientes para sua proteção, conforme exemplos abaixo:
Diante deste cenário, criou-se uma grande insegurança jurídica, uma vez que a aplicação do Manual de Marcas não estaria ancorada em aspectos objetivos.
Qualquer marca, assim, por mais distinta que seja, caso, exemplificativamente, apresente “Frases ou expressões que visam atrair a atenção dos consumidores ou usuários”, já seria considerada como não registrável pelo INPI, apesar dos precedentes acima e do próprio texto legal.
3. Ponderações
Diante do cenário supra, algumas ponderações se fazem necessárias.
Inicialmente, é fundamental destacar que, no sistema marcário brasileiro, a análise de uso de uma determinada marca só é feita a posteriori, em análise de Pedido de Caducidade, por exemplo, o que difere do sistema estadunidense, em que uma prova de uso, ou planejamento para uso, é solicitada quando do início de um Pedido de Registro de marca.
Por este motivo, não poderia o INPI, ao indeferir um Pedido de Registro, condicionar a reforma de sua decisão à prova, em sede de Recurso ou Ação Anulatória perante a Justiça Federal, que uma determinada marca está sendo utilizada como marca e não unicamente como sinal de propaganda.
A análise do INPI deveria se restringir apenas aos requisitos básicos de registrabilidade, por exemplo: se o sinal é distintivo ou não e se cumpre o requisito da veracidade.
Denis Borges Barbosa na sua obra “Uma Introdução à Propriedade Intelectual”, assevera que:
“Na proteção das marcas são essenciais as noções de distintividade, veracidade e de novidade relativa. É distinto, objetivamente considerado, o que não tem características próprias, o que não significa, de forma a desempenhar a função marcária que lhe é própria”.
“A novidade relativa constitui apenas o requisito de que a marca tem de se distinguir dos outros signos já apropriados por terceiros; ou mais precisamente, é a exigência de que o símbolo possa ser apropriado pelo titular, sem infringir direito de terceiros”.
Mais adiante, o autor, citando o conceito de “sinal e expressão de propaganda” contido no art. 73 do Código de 1971, afirma com clareza:
“Destina-se a expressão ou sinal de propaganda a ‘recomendar quaisquer atividades lícitas, realçar qualidade de produtos, mercadorias ou serviços, ou a atrair a atenção dos consumidores ou usuários’. Perante a marca, cuja função clássica é de distinguir as mercadorias ou serviços de um empresário frente aos de outro, a propaganda se propõe a incitar o público ao consumo, ou à valorização da atividade do titular”
Douglas Gabriel Domingues em sua sempre obra “Marcas e Expressões de Propaganda”, assevera, de forma enfática, as funções das chamadas expressões ou sinais de propaganda:
“No mundo contemporâneo, além das marcas assinalando e promovendo produtos e serviços encontramos largamente difundido no mercado o uso de expressões ou sinais de propaganda com dúplice finalidade: I) realçar qualidades do produto ou serviço; II) atrair a atenção dos consumidores, ou usuários.”
Conforme supramencionado, a proibição do artigo 124, inciso VII da Lei da Propriedade Industrial é para o registro de marcas que são utilizadas apenas como sinais de propaganda, realçando qualidade do produto/serviço unicamente para atrair a atenção os consumidores, devendo indeferimentos do INPI, com base neste artigo e inciso, se restringirem a estes casos.
Com efeito, de acordo os artigos 122 e 123 da Lei da Propriedade Industrial:
“Art. 122 – São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.”
“Art. 123 – Para os efeitos desta lei, considera-se:
I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.”
Assim, estará apto a ser registrado o sinal que apresente inegável força atrativa que determinados signos devem exercer sobre o mercado de consumo, trazendo aos consumidores a ideia de que ao escolher pelo serviço ou produto, obterão o nível de satisfação. Aliás, é esta mais uma das funções da marca: constituir-se no principal meio de identificação dos serviços por ela cobertos.
4. Novo entendimento legal aplicado pelo INPI
As ponderações acima, além dos precedentes já trazidos, apontam, essencialmente, para os seguintes pontos que precisavam ser solucionados:
Divergência entre precedentes e o entendimento amplo aplicado pelo INPI quanto à norma proibitiva do art. 124, inc. VII;
Não haver previsão legal de comprovação de uso de determinado sinal como marca;
Marcas que possuem sinais de propaganda, mas cumprem requisitos formais de registro, devem ser registradas, conforme determina a Lei da Propriedade Industrial.
Como forma de se adequar à Lei e mitigar a insegurança jurídica criada pela Autarquia, esta propôs alteração no item 5.9.4 de seu Manual de Marcas.
Esta proposta, que modificará o entendimento do INPI sobre o tema a partir do final de novembro de 2024, prevê que “Os conjuntos capazes de atuar simultaneamente como marca e como meio de propaganda não se enquadram no impedimento legal descrito pelo inciso VII.” (Grifo Nosso).
O novo Manual, revisado, traz os seguintes exemplos na sugestão de alteração do seu texto:
“a) Combinação de elementos distintivos com elementos que exercem somente função de propaganda
b) Combinação de elementos capazes de exercer ao mesmo tempo a função distintiva e a função de propaganda, devendo-se ter em vista que a utilização de certos artifícios (como elementos inesperados, jogos de palavras ou termos que admitam mais de uma interpretação) pode contribuir para o aumento da capacidade distintiva do sinal.
Este entendimento é, inclusive, corroborado por mais uma recente decisão do STJ que trata do tema, senão vejamos:
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE. ATOS ADMINISTRATIVOS. INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PEDIDOS DE REGISTRO. INDEFERIMENTO. MARCA MISTA. THERASKIN HARMONIA NA PELE. ART. 124, VII, DA LEI 9.279/96. CARACTERIZAÇÃO DA MARCA APENAS COMO MEIO DE PROPAGANDA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. Ação distribuída em 6/9/2018. Recurso especial interposto em 25/7/2022. Autos conclusos à Relatora em 29/3/2023.
2. O propósito recursal consiste em verificar a higidez dos atos administrativos que indeferiram pedidos de registro de marca mista formulados pela recorrente.
3. Segundo a legislação de regência, “São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais” (art. 122 da LPI).
4. No art. 124 da citada lei encontram-se previstas as hipóteses em que o registro de marcas é vedado. No que interessa à espécie, destaca-se o que dispõe o inciso VII desse artigo: não é registrável como marca “sinal ou a expressão empregada apenas como meio de propaganda”.
5. A doutrina esclarece que, na proibição legal, recai a legenda, o anúncio, a palavra e/ou combinação de palavras, desenhos, gravuras, originais e característicos, destinados exclusivamente à publicidade com o objetivo de atrair usuários.
6. O Manual de Marcas do INPI estabelece que “a aplicação do inciso VII do art. 124 da LPI deve ser criteriosa, sendo aplicada apenas quando o caráter exclusivo de propaganda do sinal estiver evidenciado”.
7. O exame da distintividade do sinal, para fins de ser franqueado o registro de marca, deve considerar, segundo orientação da autarquia competente, “a impressão gerada pelo conjunto marcário, em suas dimensões fonética, gráfica e ideológica, bem como a função exercida pelos diversos elementos que o compõem e seu grau de integração”.
8. Destarte, a mera circunstância de um signo ser constituído, dentre outros elementos, por expressão de propaganda é insuficiente para conduzir, automaticamente, à conclusão de que o sinal, como um todo, não preencha os pressupostos necessários para exercer a função de marca.
9. No particular, o que se verifica dos pedidos de registro efetuados pela recorrente é que, apesar de o conjunto marcário conter, de fato, elemento com finalidade publicitária (representado pela expressão HARMONIA NA PELE), este não se revela determinante para caracterizar a marca em questão apenas como sinal de propaganda, sobretudo em razão da presença de outros elementos nominativos e figurativos que lhe asseguram a distintividade exigida pela LPI. Registrabilidade da marca reconhecida.
10. À recorrente, todavia, não se pode conferir direito de exclusividade quanto ao uso isolado da expressão HARMONIA NA PELE, pois sua configuração como sinal de propaganda torna-a insuscetível de apropriação.
Necessidade de apostilamento da restrição.
11. Recurso especial provido.
(REsp n. 2.105.557/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 15/8/2024.) (Grifo Nosso)
5. Conclusão
Conforme é possível verificar, a Lei da Propriedade Industrial determina que não são registráveis como marcas os sinais que sejam utilizados unicamente como sinais de propaganda.
A própria doutrina corrobora que há diferença entre a função de uma marca, de individualizar um produto e serviço perante o consumidor, e de um slogan/expressão de propaganda, que enaltece qualidades de um produto/serviço e chama atenção do consumidor.
Contudo, estas duas funções não se excluem mutuamente. Um determinado sinal pode ser constituído de expressão de propaganda e, ao mesmo tempo, ser suficientemente distinto e único, cumprindo com estes e outros requisitos de registrabilidade.
Ao longo dos anos, o INPI permitiu o registro de determinadas marcas com estas características, mas vinha aplicando um entendimento mais amplo do que o necessário quanto à vedação do artigo 124, inc. VII, o que gerou uma insegurança jurídica no sistema marcário.
Com a aplicação do novo entendimento legal pelo INPI, e a respectiva alteração de seu Manual de Marcas, sinais que cumprem requisito de registrabilidade deverão ser registrados como marcas pelo INPI, ainda que possuam características de propaganda.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Lei da Propriedade Industrial. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9279.htm
Manual de Marcas do INPI. Disponível em: https://manualdemarcas.inpi.gov.br/
BARBOSA, Denis Borges, Introdução à Propriedade Industrial, Lumen Juris, Edição 2003
DOMINGUES, Douglas Gabriel, Marcas e Expressões de Propaganda, Editora Forense.