ARTIGO PSJ

Lei nº 14.825/2024 e o Fortalecimento do Princípio da Concentração dos Atos na Certidão de Matrícula Imobiliária

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Escritório de Advocacia

1. Introdução | 2. Do Princípio da Concentração dos Atos na Matrícula Imobiliária | 3. Da segurança Jurídica pela Publicidade dos Atos na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) | 4. Conclusão

1. Introdução

Como é cediço, a publicidade registral representa uma ferramenta obrigatória para a defesa dos direitos reais do titular de bens imóveis. Apenas com a publicidade de atos que constituam, transfiram ou modifiquem direitos sobre imóveis é possível combater atos privados não constantes em matrícula imobiliária.

Sob essa perspectiva, o presente artigo busca elucidar a importância do princípio da concentração dos atos na matrícula imobiliária, tema sempre relevante e que costumeiramente está sofrendo atualizações legislativas, consoante a promulgação da Lei nº 14.825/2024, objeto de análise pormenorizada no texto abaixo.

Ademais, discutiremos os reflexos da publicidade registral para as transações imobiliárias, pilar importante na regularização de imóveis e meio indispensável para o combate a agentes de má-fé que atuam no mercado.

2. Do Princípio da Concentração dos Atos na Matrícula Imobiliária

Em 20 de março deste ano foi sancionada a Lei nº 14.825/2024, que alterou o artigo 54 da Lei nº 13.097/2015, no que tange à eficácia do negócio jurídico pactuado sobre direitos reais, quando não houver registro ou averbação na matrícula de constrições incidentes sobre o bem ou sobre o patrimônio do proprietário, derivadas de decisão judicial. Nesse sentido, preceitua o referido artigo:

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

(...)

V - averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou a oriunda de hipoteca judiciária.

Nesse sentido, o dispositivo legal supramencionado é fruto da construção doutrinária e jurisprudencial acerca do princípio da concentração dos atos na matrícula. De maneira sucinta, tal princípio infere que tudo que diz respeito ao imóvel e sobre ele tiver reflexos deve constar na matrícula imobiliária constante no registro de imóveis competente.

Embora tenha sido recepcionada pela legislação pátria apenas no ano de 2015, essa proposição já estava amplamente difundida e aplicada pelos Tribunais brasileiros, havendo consolidação jurisprudencial sobre o tema pelo Supremo Tribunal de Justiça na Súmula nº 3751, em que pese a proteção do credor de boa fé em caso de fraude à execução. Senão vejamos:

Súmula nº 375

O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

Como elucidado acima, depreende-se que o propósito vital do princípio da concentração de atos é para que todos os atos que repercutem na eficácia do direito real sobre a propriedade estejam publicizados em um único documento.

Ainda, cabe salientar que não se trata de qualquer espécie de publicidade: é plenamente possível, embora escuso na perspectiva contratual, que um terceiro de má-fé anuncie para fins comerciais um imóvel que não é seu (“venda a non domino”). Esta publicidade, meramente comercial, difere grandemente da publicidade jurídica, que é a que tratamos neste artigo.

A concentração dos atos na matrícula imobiliária induz também que os atos realizados devem estar corroborados pela fé pública reconhecida após o registro na serventia de registro de imóveis competente. Sobre os reflexos de tal imposição, discorreremos sobre a importância desta publicidade nos negócios imobiliários frente a adquirentes de boa-fé.

3. Da Segurança Jurídica pela Publicidade dos Atos na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973)

É de conhecimento comum que a titularidade dos bens imóveis não é adquirida através da mera tradição, como ocorre com os bens móveis. Para ser proprietário de bem imóvel, é necessário que o adquirente realize o devido registro no cartório de imóveis competente para aquele bem em questão. Com isso, é decorrência da publicidade dos atos a possibilidade de oponibilidade de direitos do titular contra terceiros, em relação a bem imóvel de sua propriedade (SCAVONE JR., 2016).

Nesse sentido, cabe frisar que a segurança jurídica da sociedade para permanecer realizando transações imobiliárias encontra substrato no fortalecimento desta publicidade registral. Na lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), é inconfundível o propósito de expandir o acesso à informação a quem a desejar. Colaciona-se o disposto em seu artigo 16, que dispõe:

Art. 16. Os oficiais e os encarregados das repartições em que se façam os registros são obrigados:

1º a lavrar certidão do que lhes for requerido;

2º a fornecer às partes as informações solicitadas.

Nessa toada, a legislação pátria caminhou uníssona em relação ao fortalecimento da indispensabilidade da publicidade para o Direito Imobiliário. Em 19 de janeiro de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.097/2015, que formalizou o que já estava preceituado pela normativa anterior e garantiu mais proteção ao terceiro de boa-fé adquirente. Nesse sentido, vejamos:

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

(...)

§1º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos art. 129 e art. 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Ora, é inconfundível, portanto, que o intuito do legislador em garantir que o adquirente de bem imóvel, movido pela boa-fé de realizar a transação imobiliária conforme a normativa vigente, não seja lesado por atos que não constavam na matrícula imobiliária até o momento do registro da compra e venda.

4. Conclusão

A Lei nº 14.825/2024, que emendou o artigo 54 da Lei nº 13.097 /2015, representa um marco significativo na legislação imobiliária brasileira. Esta atualização, fortalecendo o princípio da concentração dos atos na matrícula, é fundamento essencial para uma atenuação dos casos de fraude ao credor, ao mesmo passo que desenvolve ainda mais a cultura do acesso à informação notarial registrada e à promoção da prática da regularização de imóveis.

A nova redação do artigo 54 enfatiza que atos jurídicos posteriores, que constituam, transfiram ou modifiquem direitos sobre imóveis não constantes na matrícula não terão eficácia sobre atos já registrados, salvo exceções específicas, garantindo assim uma maior segurança aos envolvidos nas transações imobiliárias.

Essa medida visa a mitigar os riscos e proteger os interesses legítimos de adquirentes de boa-fé, contribuindo para um ambiente mais transparente e confiável no mercado imobiliário brasileiro.

Bibliografia:

- BRASIL. Lei nº 14.825, de 20 de março de 2024. Altera a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, para garantir a eficácia dos negócios jurídicos relativos a imóveis em cuja matrícula inexista averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 mar. 2024.

- BRASIL. Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação incidentes sobre a receita de vendas e na importação de partes utilizadas em aerogeradores. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 jan. 2015.

- BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 1973.

- BELLOC MARTINS, Lucas; SALVIA DE BITTENCOUT, Vanessa. Due diligence imobiliária e o princípio da concentração dos atos na matrícula. 2023. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2023-jun-14/marinse-bittencourt-principio-concentracao-atos-matricula/> Acesso em: 12 abr. 2024.

- DE OLIVEIRA, Matheus Felipe. A Lei 13.097 e o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel. 2022. Disponível em: <https://lageportilhojardim.com.br/blog/lei-13097/> Acesso em: 10 abr. 2024.

- SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário - Teoria e Prática. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.