ARTIGO PSJ
O Marco Legal das Garantias e a Positivação do Agente de Garantias
1. Introdução | 2. Conceito e Características do Agente de Garantias| 3. Introdução do art. 853-A no Código Civil | 4. Conclusão
1. Introdução
O Marco Legal das Garantias, a recentíssima Lei nº 14.711 de 30 de outubro de 2023, trouxe aprimoramentos das regras de garantia que incluem alterações quanto à execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca, a execução extrajudicial de garantia imobiliária em concurso de credores, o procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária, o resgate antecipado de Letra Financeira, a alíquota de imposto de renda sobre rendimentos no caso de fundos de investimento em participações qualificados que envolvam titulares de cotas com residência ou domicílio no exterior e o procedimento de emissão de debêntures.
Outra inovação introduzida pelo Marco Legal das Garantias é a previsão legal da figura do Agente de Garantias, que desempenha uma função de administrador quando há diversas garantias vinculadas ao mesmo bem.
O Agente de Garantias, figura já existente no mercado, agora conta com disposições específicas na legislação, as quais delineiam suas atribuições e limites de atuação, tanto no âmbito judicial quanto extrajudicial.
O Agente de Garantias, portanto, consiste na designação, por parte de um credor ou conjunto de credores, de um terceiro (ou de um dos credores do grupo, substituível a qualquer momento), que atuará em nome próprio e no interesse destes na constituição, registro, gestão e execução das garantias. O Agente de Garantias assume um dever fiduciário e é responsável perante os credores por suas ações.
Dessa forma, abordaremos de maneira mais aprofundada o papel desempenhado pelo Agente de Garantias e as alterações promovidas pela recente legislação.
2. Conceito e Características do Agente de Garantias
Os Agentes de Garantias, uma espécie de administrador de garantias, conforme previamente mencionado, têm sido empregados no mercado por meio de arranjos contratuais. Assim, o contrato de gestão de garantias já está em vigor na prática das operações de crédito, mesmo sem a existência de regulamentação legal. Com a alteração legislativa trazida pelo Marco Legal das Garantias, a figura do Agente de Garantias passa a ser tipificada.
De modo geral, em operações de crédito, há diversas razões pelas quais é desejável contar com um "security agent". Pode existir um grupo de credores para os empréstimos, e, nesse caso, faz sentido centralizar as responsabilidades relacionadas à garantia, delegando-as a um agente que atuará conforme as orientações do número requerido de credores, conforme especificado nos documentos da transação. Também é possível que a garantia esteja situada em uma jurisdição onde os credores ou trustees não estejam presentes.
Os direitos dos credores em termos de garantias são geralmente determinados pelas leis locais onde o bem está localizado, portanto, é prudente contratar um agente local familiarizado com a jurisdição onde o negócio está sendo realizado. Além disso, pode ocorrer que o credor não tenha capacidade para receber garantias; assim, um agente com as devidas autorizações precisa ser contratado.
Antes do não cumprimento do contrato de crédito, o papel de um Agente na Garantia de um empréstimo é relativamente simples e envolve aceitar o penhor da garantia aplicável, além de fazer valer os direitos em relação a esta quando instruído pelos credores a fazê-lo.
O Agente de Garantias pode ser solicitado a custodiar certos tipos de garantias, alguns dos quais determinam que um penhor somente pode ser efetivado se a garantia estiver em posse física de alguém que não seja o devedor. Essas garantias frequentemente consistem em documentos como certificados de ações, contratos ou escrituras. Os documentos da transação podem exigir que o Agente de Garantias realize ações específicas em relação à caução, como mantê-la em uma localização à prova de fogo, e indicar em seus registros que o bem está sendo guardado para o benefício dos credores.
Em algumas jurisdições, para que o penhor seja efetivado, o Agente de Garantias precisa ser nomeado como parte garantida. O Agente também pode ser solicitado a assinar documentos regidos pela lei local que criem um penhor e concedam a ele a capacidade de exercer direitos em relação à garantia (como sua execução). Nessa situação, o Agente precisará utilizar um advogado local – pago pela parte devedora – para revisar esses documentos e garantir que o Agente de Garantias não esteja sujeito a quaisquer obrigações.
Se ocorrer um descumprimento do financiamento ou empréstimo, o Agente de Garantias será chamado para fazer valer os direitos dos credores. Ele o fará conforme as instruções específicas dos credores ou detentores de títulos e deverá ser reembolsado pelos custos da aplicação do contrato, incluindo os pagamentos de advogados. Quaisquer pagamentos (geralmente líquidos dos honorários do Agente) relacionados ao empréstimo serão distribuídos aos credores.
Dessa forma, o mercado já emprega a figura do Agente de Garantias, definindo suas atribuições e limites contratualmente. Geralmente, esses contratos estabelecem as funções do Agente de forma que este não tenha atividade discricionária e aja apenas de acordo com as instruções dos credores, podendo inclusive oferecer imunidade ao Agente por suas ações.
Assim, o legislador entendeu que, para conferir maior segurança jurídica ao exercício da função do Agente de Garantias e oferecer respaldo legislativo aos Contratos de Administração Fiduciária de Garantias, seria necessário positivar normas que indicassem de maneira clara, no direito pátrio, os limites, características e funções desses Agentes.
Abordaremos agora, de maneira mais específica, o novo artigo 853-A introduzido no Código Civil, que trata dos Contratos de Administração Fiduciária de Garantias e dos Agentes de Garantias.
3. Introdução do art. 853-A no Código Civil
A já mencionada Lei nº 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias) introduziu o artigo 853-A no Código Civil e regulamentou os Contratos de Administração Fiduciária de Garantias e a figura do Agente de Garantias da seguinte maneira:
“Art. 853-A. Qualquer garantia poderá ser constituída, levada a registro, gerida e ter a sua execução pleiteada por agente de garantia, que será designado pelos credores da obrigação garantida para esse fim e atuará em nome próprio e em benefício dos credores, inclusive em ações judiciais que envolvam discussões sobre a existência, a validade ou a eficácia do ato jurídico do crédito garantido, vedada qualquer cláusula que afaste essa regra em desfavor do devedor ou, se for o caso, do terceiro prestador da garantia.
§ 1º O agente de garantia poderá valer-se da execução extrajudicial da garantia, quando houver previsão na legislação especial aplicável à modalidade de garantia.
§ 2º O agente de garantia terá dever fiduciário em relação aos credores da obrigação garantida e responderá perante os credores por todos os seus atos.
§ 3º O agente de garantia poderá ser substituído, a qualquer tempo, por decisão do credor único ou dos titulares que representarem a maioria simples dos créditos garantidos, reunidos em assembleia, mas a substituição do agente de garantia somente será eficaz após ter sido tornada pública pela mesma forma por meio da qual tenha sido dada publicidade à garantia.
§ 4º Os requisitos de convocação e de instalação das assembleias dos titulares dos créditos garantidos estarão previstos em ato de designação ou de contratação do agente de garantia.
§ 5º O produto da realização da garantia, enquanto não transferido para os credores garantidos, constitui patrimônio separado daquele do agente de garantia e não poderá responder por suas obrigações pelo período de até 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de recebimento do produto da garantia.
§ 6º Após receber o valor do produto da realização da garantia, o agente de garantia disporá do prazo de 10 (dez) dias úteis para efetuar o pagamento aos credores.
§ 7º Paralelamente ao contrato de que trata este artigo, o agente de garantia poderá manter contratos com o devedor para:
I - pesquisa de ofertas de crédito mais vantajosas entre os diversos fornecedores;
II - auxílio nos procedimentos necessários à formalização de contratos de operações de crédito e de garantias reais;
III - intermediação na resolução de questões relativas aos contratos de operações de crédito ou às garantias reais; e
IV - outros serviços não vedados em lei.
§ 8º Na hipótese do § 7º deste artigo, o agente de garantia deverá agir com estrita boa-fé perante o devedor.”
Assim, constata-se que a inovação legislativa destaca a figura do Agente de Garantia, que será designado pelos credores e atuará em nome próprio e em benefício dos credores. Este Agente possui a prerrogativa de efetuar o registro do ônus sobre o bem, administrar os bens e realizar a execução da garantia, inclusive utilizando-se da execução extrajudicial quando previsto na legislação especial aplicável à modalidade de garantia.
O Agente de Garantias pode ser um dos credores ou um terceiro qualquer, sendo passível de substituição a qualquer momento por decisão do credor único ou dos titulares que representarem a maioria simples dos créditos garantidos. Na eventualidade da execução da dívida, o montante proveniente da alienação dos bens oferecidos como garantia será restituído ao devedor ou constituirá um patrimônio distinto do patrimônio
do Agente de Garantias, destinado ao pagamento de eventual saldo devedor remanescente, inclusive de outros credores subsequentes da mesma garantia.
Em outras palavras, o Agente, após receber o valor proveniente da alienação do bem dado em garantia, deve efetuar o pagamento aos credores no prazo de até dez dias úteis. Adicionalmente, é importante ressaltar que enquanto não transferido para os credores, esse montante constituirá um patrimônio separado daquele do Agente de Garantia e não poderá ser utilizado para saldar suas obrigações durante um período de até 180 dias.
Embora seja um representante dos credores, o Agente de Garantias também tem a possibilidade de manter contratos com o devedor para pesquisar ofertas de crédito mais vantajosas entre diversos fornecedores, auxiliar nos procedimentos de formalização e intermediar a resolução de questões relativas aos contratos de operações de crédito e de garantias reais, desde que não contrarie disposições legais.
A nova legislação, portanto, indica que o Agente de Garantia está autorizado a realizar o registro do ônus sobre o bem, administrar os bens e efetuar a execução da garantia, inclusive por meio de execução extrajudicial, quando permitido pela legislação específica aplicável à modalidade de garantia.
Finalmente, dado o caráter das funções desempenhadas pelo Agente de Garantias, cabe aos credores um monitoramento rigoroso dos procedimentos adotados para a execução das garantias, recebimento e, sobretudo, distribuição dos valores obtidos. Contudo, a inovação legislativa estabelecida proporciona maior previsibilidade e clareza quanto às responsabilidades e limites desses Agentes.
4. Conclusão
Embora a figura do Agente de Garantias não seja uma novidade no âmbito jurídico, ela passou a ser devidamente regulamentada e incorporada ao ordenamento legal pátrio com a introdução do artigo 853-A ao Código Civil, pelo Marco Legal das Garantias.
Dessa forma, foi estipulado que qualquer forma de garantia pode ser instituída, registrada, administrada e executada, inclusive por meio de procedimentos extrajudiciais quando aplicável, mediante a designação de um Agente de Garantia pelos credores.
Constatamos, adicionalmente, que esse Agente atua em nome próprio, mas em benefício dos credores, inclusive em procedimentos judiciais relacionados a disputas acerca da existência, validade ou eficácia da garantia. Em situações de execução da garantia pelo Agente, os recursos provenientes da realização dos bens dados em garantia constituem um patrimônio separado do Agente por um período de até 180 dias, devendo ser distribuídos aos credores, no prazo de até 10 dias úteis, após a recepção pelo Agente.
Portanto, percebe-se que a legislação busca proativamente evitar problemas e proporcionar previsibilidade no desenrolar das operações de crédito, com o intuito de reduzir os custos das transações financeiras e facilitar o acesso ao crédito.
Bibliografia:
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