ARTIGO PSJ

O Marco Legal das Garantias e as mudanças acarretadas na Lei dos Cartórios

Portela Soluções Jurídicas

Escritório de Advocacia

1. Introdução | 2. Da Negociação e da Cessão de Precatórios ou Créditos | 3. Do Aprimoramento da Ata Notarial | 4. Conclusão | 5. Bibliografia

1. Introdução

A Lei nº 14.711, sancionada em outubro de 2023, conhecida como “Marco Legal das Garantias”, trouxe alterações em algumas outras leis, dentre elas, na Lei nº 8.935/94, que regulamenta os serviços notariais e registrais no país. Os grandes objetivos das alterações trazidas pela Lei nº 14.711/23 são o de reduzir a inadimplência no país e diminuir o custo do acesso ao crédito, bem como trazer mecanismos que irão facilitar a retomada da garantia pelo credor, em caso de inadimplência do devedor, reduzindo, assim, os custos da cobrança do crédito. O propósito do presente artigo é elucidar as novas competências dos tabeliães, na negociação de cessão de precatórios ou créditos e pontuar o aprimoramento das regras relativas aos serviços notariais, a partir das mudanças trazidas na Lei dos cartórios.

2. Da Negociação e da Cessão de Precatórios ou Créditos

No capítulo VI da Lei do Marco Legal das Garantias, é possível visualizar uma série de artigos que irão dispor especificamente sobre mudanças na formatação das operações de antecipações de precatórios.

O primeiro artigo a ser aprovado foi o artigo 6º-A da Lei nº 8.935/94, que dispõe:

“Art. 6º-A A pedido dos interessados, os tabeliães de notas comunicarão ao juiz da vara ou ao tribunal, conforme o caso, a existência de negociação em curso entre o credor atual de precatório ou de crédito reconhecido em sentença transitada em julgado e terceiro, o que constará das informações ou consultas que o juízo emitir, consideradas ineficazes as cessões realizadas para pessoas não identificadas na comunicação notarial se, dentro do prazo de 15 (quinze) dias corridos, contado do recebimento desta pelo juízo, for lavrada a respectiva escritura pública de cessão de crédito.”

Desse artigo, desprende-se que está sendo conferida uma nova funcionalidade significativa ao tabelião de notas que, a partir do momento que toma ciência que o precatório está sendo alvo de uma negociação, fica obrigado a comunicar essa cessão ao juiz responsável do processo que deu origem ao precatório, dessa forma, o tabelião passa a assumir uma nova obrigação legal, a qual não poderá descumprir. O principal objetivo da mudança trazida pelo art. 6º-A é o de evitar fraudes dentro do mercado de precatórios, como ocorria com a dupla cessão realizada de má fé pelos credores, por exemplo.

Outro grande feito trazido por esse artigo é o de definir a quem pertence o precatório quando mais de uma pessoa comunica a cessão do crédito, pois a Lei nº 14.711/23 determina que a cessão válida necessariamente deverá passar por uma comunicação do tabelião para o juiz, sobrepondo o entendimento jurisprudencial anterior de que era necessário apenas peticionar primeiro nos autos para garantir a validade e eficácia da cessão de crédito.

Ademais, o § 1º art. 6º-A dispõe o seguinte texto:

“§ 1º O tabelião de notas deverá comunicar ao juiz da vara ou tribunal, conforme aplicável e em atenção ao pedido dos interessados, a negociação, imediatamente, e a cessão realizada, em até 3 (três) dias úteis contados da data da assinatura da escritura pública.”

Ou seja, a partir do momento que o tabelião toma ciência de que há um precatório sendo alvo de negociação, ele fica obrigado a comunicar o juiz da existência dessa negociação do precatório e, após a realização da assinatura da escritura pública, transferindo os direitos creditórios para um terceiro, o tabelião terá o prazo de 3 (três) dias úteis para comunicar o juiz do processo judicial que deu origem ao precatório que está sendo alvo da cessão.

Além disso, o § 2º art. 6º-A dispõe que:

“§ 2º Para o fim da regular cessão dos precatórios que emitirem, os tribunais de todos os poderes e esferas darão, exclusivamente aos tabeliães de notas e aos seus substitutos, acesso a consulta ou a banco de dados, por meio de central notarial de âmbito nacional, com identificação do número de cadastro de contribuinte do credor e demais dados do crédito que não sejam sensíveis, bem como receberão as comunicações notariais das cessões de precatórios.”

A partir desse artigo, fica determinado que os tabeliães terão acesso a uma base de dados que permitirá uma intercomunicação com o judiciário quando ocorrer uma cessão de crédito, podendo aferir a legitimidade do procedimento de antecipação de crédito.

Com as alterações trazidas pelo Marco Legal das Garantias, o Art. 7º-A da Lei nº 8.935/94 também traz inovações nas competências dos tabeliães, o que finda por demonstrar um interesse do legislativo em desafogar o poder judiciário, bem como estimular e facilitar a autocomposição. Assim dispõe o referido artigo:

“Art. 7º-A Aos tabeliães de notas também compete, sem exclusividade, entre outras atividades:

I - certificar o implemento ou a frustração de condições e outros elementos negociais, respeitada a competência própria dos tabeliães de protesto;

II - atuar como mediador ou conciliador;

III - atuar como árbitro.”

Com as alterações trazidas pelo referido artigo é permitido aos tabeliães, inclusive, que se envolvam ativamente na negociação do precatório que está sendo feita perante sua unidade cartorária.

3. Do Aprimoramento da Ata Notarial

Outra funcionalidade é trazida aos tabeliães pelo § 2º do art. 7º-A, qual seja a possibilidade de elaboração de ata notarial de certificação de frustração de circunstâncias negociais. Vejamos:

“§ 2º O tabelião de notas lavrará, a pedido das partes, ata notarial para constatar a verificação da ocorrência ou da frustração das condições negociais aplicáveis e certificará o repasse dos valores devidos e a eficácia ou a rescisão do negócio celebrado, o que, quando aplicável, constituirá título para fins do art. 221 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), respeitada a competência própria dos tabeliães de protesto.”

Ou seja, a partir dessa inovação o tabelião dará fé pública sobre qualquer termo e condição do contrato. Por exemplo: se um contrato é descumprido em qualquer um dos seus termos, o tabelião dará fé pública do descumprimento através da ata notarial.

Com essa mudança trazida no § 2º, art. 7º-A da Lei nº 8.935/94, haverá uma constituição de mora mais eficiente do que a notificação extrajudicial realizada via Cartório de Registro Títulos e Documentos, que é um ato unilateral. E estando as circunstâncias contratuais já claramente estabelecidas pela certificação do tabelião, haverá uma chance muito maior de autocomposição e uma diminuição no número de casos judicializados.

Com a alteração da Lei nº 8.935/94 ocorre, ainda, uma reinvenção do papel da ata notarial, pois passa a caber nesse instrumento público a cognição jurídica do tabelião e a declaração do direito atrelado às circunstâncias do negócio jurídico discutido, pois antes a lei permitia que o notário apenas narrasse os fatos jurídicos por ele presenciado, sem a emissão de juízo de valor ou manifestação de vontades.

4. Conclusão

A Lei nº 14.711/23 representa uma transformação significativa na dinâmica da cessão de precatórios e na atuação dos tabeliães. Ao fortalecer a participação ativa dos tabeliães nas transações e ao estabelecer uma central notarial, a legislação busca eficiência e transparência. A ampliação das competências dos tabeliães para atuar como mediadores e árbitros sinaliza uma abordagem mais flexível na resolução de disputas.

Destaca-se também a importância da ata notarial, permitindo aos tabeliães certificar o cumprimento ou a frustração de condições negociais. Essa inovação não só confere mais segurança jurídica, mas também oferece uma alternativa eficaz à notificação extrajudicial, contribuindo para a autocomposição e possivelmente reduzindo litígios.

Em suma, as mudanças propostas buscam modernizar os serviços notariais, prevenir fraudes, aliviar o sistema judiciário e facilitar o acesso ao crédito. A implementação prática dessas alterações e seu impacto no ambiente jurídico e econômico serão determinantes para avaliar o sucesso da legislação em alcançar seus objetivos.

5. Bibliografia

- Artigo: Marco Legal das Garantias simplificará e barateará venda de precatórios – Por Fernando Blasco. Colégio Notarial do Brasil. Seção São Paulo, 2023. Disponível em: <https://cnbsp.org.br/2023/11/29/artigo-marco-legal-das-garantias-simplificara-e-barateara-venda-de-precatorios-por-fernando-blasco/>. Acesso em: 07/01/2024.

- BRASIL. Lei Nº 14.711, de 30 de outubro de 2023. Marco Legal das Garantias. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de outubro de 2023.

- BRASIL. Lei Nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios). Diário Oficial da União, Brasília, 19 de novembro de 1994.

- CORINO, Pedro e DUARTE, Andrey Guimarães. Novas regras trazem mais segurança na cessão de precatórios. Consultor Jurídico, 2023. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-nov-02/corinoe-duarte-novas-regras-trazem-seguranca-cessao-precatorios/>. Acesso em: 07/01/2024

- STALDER, Marc. Advogado Explica Mudanças Trazidas pelo Marco Legal das Garantias, 2023. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/396289/advogado-explica-mudancas-trazidas-pelo-marco-legal-das-garantias>. Acesso em: 07/01/2024.