ARTIGO PSJ
Planejamento Sucessório: Usufruto com Voto Exclusivo como Ferramenta de Proteção em Holding Familiar
O instituto do Usufruto, do latim “usus fructos”, diz respeito, em uma tradução literal do termo, ao direito real sobre coisas alheias, de modo que ao usufrutuário cabem as utilidades e os frutos do bem, mesmo não sendo o proprietário deste. Isto é, o usufruto confere a posse de um bem a um terceiro não proprietário.
O Código Civil Brasileiro previu expressamente, em seu artigo 1.225, IV, o usufruto como direito real e, nos artigos 1.390 a 1.411, regulamentou o instituto. Vide:
Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.
Um exemplo clássico de utilização dessa ferramenta é na realização de doação, quando a propriedade de um bem é transferida a outra pessoa com a reserva de usufruto ao doador, para que este possa continuar se utilizando do bem doado, geralmente até o seu falecimento, ou por um prazo pré-estabelecido.
Desta feita, trazendo para âmbito das holdings familiares e estratégias de planejamento sucessório, podemos falar em doação de participação societária com reserva de usufruto. Com isso, é possível realizar a doação de quotas ou ações de uma holding aos herdeiros, mas continuar com a posse da participação, percebendo, inclusive, os lucros da sociedade. Com o falecimento do doador, extingue-se o usufruto e passa ao herdeiro a posse de sua participação na holding.
Todavia, uma questão controversa e alvo de discussões doutrinárias e jurisprudenciais gira em torno do usufruto de participação societária: teria o usufrutuário o direito ao voto nas decisões sociais?
A questão gira em torno de que o usufrutuário, enquanto parte que frui dos lucros e dividendos da sociedade, deveria exercer o direito de voto e definir quais os melhores rumos para a empresa, visto que ele que irá se beneficiar dos resultados da mesma; enquanto que, por outro lado, o nu-proprietário permanece sendo sócio e sofre os efeitos das decisões tomadas em assembleia onde o direito de voto é exercido, e não se poderia decidir apenas com base no lucro e no interesse individual do usufrutuário.
Sobre o tema, a Lei de SA previu, em seu artigo 114, que:
Art. 114. O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.
Sendo assim, pelo dispositivo legal, duas coisas ficam claras: a recomendação de regulamento prévio acerca de como será exercido o direito ao voto, seja na constituição do gravame ou por acordo entre proprietário e usufrutuário; e que não existe qualquer tipo de impedimento legal ao estabelecimento do voto exclusivo pelo usufrutuário.
Ou seja, a lei permite que as partes escolham da forma que melhor entenderem o direito de voto da quota ou ação gravada com usufruto, sendo plenamente possível o voto exclusivo do usufrutuário.
Nesse sentido também se manifestou o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) em decisão a recurso de processo originário da Junta Comercial do Estado da Bahia sobre o tema, vide:
"Em suma, tem-se que a Sra. Maria José Andrade realizou a doação de suas quotas, para a Sra. Léa Maria Andrade Sestelo, com cláusula de reserva de usufruto vitalício, constando expressamente do documento que a doadora permaneceria com todos os poderes políticos e patrimoniais da sociedade, inclusive, o direito de voto em qualquer deliberação social. Assim, enquanto a doadora estiver viva, é como se nenhuma doação tivesse ocorrido, uma vez que o donatário detém apenas a propriedade nua das quotas.
Frisamos que a instituição do usufruto sobre quotas não retirou da doadora o direito de votar as deliberações sociais, não existindo amparo legal para notificação da nu-proprietária para participação na assembleia.
Dessa forma, entendemos que a usufrutuária doadora, ateve-se em deixar registrado seu direito político de voto, não infringindo nenhum diploma legal, devendo o arquivamento da Ata de Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da sociedade MJA Logística S.A., realizada no dia 26 de novembro de 2019, ser mantido.
Diante do exposto, entendemos que o acordo celebrado por meio doação com reserva de usufruto (Escritura Pública de doação de Quotas e Ações, lavrada no 6º Tabelionato de Notas de Salvador) atende as disposições legais do art. 114 da Lei nº 6.404, de 1976, e foi devidamente observado pela Junta Comercial quando do arquivamento do ato, que consoante já exposto, compete verificar as formalidades legais dos atos submetidos a arquivamento."
Sendo assim, o usufruto com voto exclusivo pelo usufrutuário se apresenta como uma ferramenta interessantíssima de proteção nas holdings familiares. Através dessa possibilidade, as quotas/ações da sociedade podem ser doadas aos herdeiros com reserva de usufruto ao doador, pactuando que a este caberá o direito exclusivo de voto nas deliberações sociais. Dessa forma, realiza-se o planejamento sucessório com proteção do patrimônio até a extinção do usufruto, no momento do falecimento do doador.