ARTIGO PSJ

Provimento 161/2024: O que muda nos negócios jurídicos imobiliários?

Portela Soluções Jurídicas

Escritório de Advocacia

1. Introdução:

A atividade notarial e registral é desenvolvida de forma delegada, já que é um serviço de natureza pública, prestado por um particular, que recebeu à referida delegação por meio de concurso público.

Dito isto, e considerando que o serviço notarial e registral é público, é imprescindível compreender que o delegatário deste serviço público responde na sua pessoa física e, portanto, tem o dever de seguir as regras determinadas na legislação nacional vigente, em especial, na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial e no Código de Normas do estado à que está vinculado.

2. Na prática:

Na prática, o grande balizador da atividade notarial e registral é o Código Nacional de Normas. É ele quem mantém todas as diretrizes no âmbito federal e permite que os provimentos estaduais, dentro de seus limites, preenchem as eventuais lacunas percebidas ao longo da aplicação do novo ato normativo.

Neste sentido, é de suma importância compreender que “é competência do Poder Judiciário fiscalizar os serviços notariais e de registro”; “é obrigação de os notários e registradores cumprirem as normas técnicas estabelecidas pelo Poder Judiciário”; e é “competência da Corregedoria Nacional de Justiça de expedir provimentos e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços notariais e de registro”.

E, considerando a temática vinculada a este artigo, entender as regras do Provimento 161/2024, é perceber a atuação fiscalizadora do Poder Judiciário, que também pode estar vinculada à dinâmica de outros órgãos, a exemplo do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), como veremos a seguir.

3. O Provimento 161/2024 do Conselho Nacional de Justiça:

O Conselho Nacional de Justiça, na sua competência de “expedir provimentos e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços notariais e de registro”, editou o Provimento 161/2024, após a análise de diretrizes vinculadas a 4ª rodada de avaliação internacional do Sistema brasileiro de PLD/FTP e da interlocução institucional com órgãos e entidades públicos e privados que integram o sistema.

De antemão, cumpre ressaltar que sistema brasileiro de PLD/FTP é o Sistema de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa. E, é através dele, que se pensa em mecanismos interdisciplinares de fiscalização e combate à atividades ilícitas, no âmbito da lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa.

Nota-se, neste momento, que para desenvolvimento do Sistema Brasileiro de PLD/FTP, é imprescindível a interlocução entre órgãos públicos e privados. E, um exemplo de órgão atuante no Sistema Brasileiro de PLD/FTP é próprio COAF.

Mas, qual a vinculação do COAF com o Provimento 161/2024? O COAF, que é um órgão de controle e fiscalização, emitiu, em 24 de janeiro de 2022, a Nota Técnica nº 107152, que previu algumas diretrizes de aperfeiçoamento da fiscalização e que foram elas, dentre outras, que balizaram as regras estabelecidas no próprio Provimento.

O referido Provimento cria um novo Capítulo no Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, que trata “Da Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa.

Especificamente em seu art. 137, ele estabelece qual o objetivo do referido capítulo. Senão, vejamos:

“Art. 137. Este Capítulo dispõe sobre o cumprimento dos deveres de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP) legalmente atribuídos a serviços notariais e de registro pelos arts. 9º a 11 da Lei n. 9.613, de 1998, pelos arts. 9º a 12 da Lei n. 13.810, de 8 de março de 2019, e por normas correlatas.” (NR)

E o Provimento segue com o seu art. 139, estabelecendo o notárias e registradores devem observar com essa normativa.

“Art. 139. Notários e registradores devem observar as disposições deste Capítulo na prestação de serviços e no atendimento a clientes ou usuários, inclusive quando envolverem interpostas pessoas, compreendendo todos os negócios e todas as operações que lhes sejam submetidas, observadas as seguintes particularidades: (GRIFOS NOSSOS)

I - as informações que para tanto possam razoavelmente obter; e

II - a especificidade dos diversos tipos de serviços notariais e de registro.

§ 1.º A adoção de política, procedimentos e controles internos em cumprimento a disposições deste Capítulo dar-se-á de forma:

I - compatível com o porte da serventia extrajudicial de que se trate e com o volume de suas operações ou atividades;

II - orientada por abordagem baseada em risco, de modo proporcional aos riscos de PLD/FTP relacionados às atividades de cada notário ou registrador, que deve identificar e avaliar tais riscos, visando à sua efetiva mitigação; e

III - considerando o nível e o tipo de contato com informações documentais e com partes e outros envolvidos, proporcionado pelas características específicas de cada tipo de serviço notarial ou de registro, inclusive no que se refere à peculiar limitação desse contato no desempenho do serviço de protesto de títulos.

§ 2.º A orientação por abordagem baseada em risco de que trata o inciso II do § 1º deste artigo não afasta nem condiciona o dever de notários e registradores em, a teor dos arts. 9º a 12 da Lei n. 13.810, de 2019:

I - dar cumprimento pleno e sem demora a sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) ou por designações de seus comitês de sanções relacionadas a terrorismo, proliferação de armas de destruição em massa ou seu financiamento; e

II - proceder às comunicações previstas no art. 11 e no parágrafo único do art. 12 da Lei n. 13.810, de 2019.” (NR)

Além do que devem observar, os notárias e registradores também ficaram com a responsabilidade de implementar procedimentos de monitoramento, seleção e análise de operação. Assim observa-se no art. 141:

“Art. 141. Notários e registradores devem implementar procedimentos de monitoramento, seleção e análise de operações, propostas de operação ou situações com o objetivo de identificar aquelas que possam configurar indício de prática de LD/FTP ou de infração correlacionada.”

Até aqui, o referido ato normativo se ateve a esmiuçar quem se submete à tais regras, como tais regras devem ser conduzidas dentro das serventias cartorárias e qual o dever delas no combate e fiscalização vinculados ao Sistema Brasileiro LD/FTP.

Entretanto, ao chegar no art. 149 do Provimento 161/2024, é possível perceber regras mais claras do que muda para os cidadãos. Vejamos:

“Art. 149. Notários e registradores devem manter registro eletrônico, para fins de PLD/FTP, de todos os atos notariais protocolares e registrais de conteúdo econômico que lavrarem ou cuja lavratura lhes seja proposta, bem como sobre situações correlatas.

Parágrafo único. No registro eletrônico a que se refere o caput constarão as seguintes informações em relação ao ato cartorário realizado ou proposto, ou a situação correlata, sempre que cabível, em razão da especialidade da serventia e do ato de que se trate:

I – identificação de clientes ou proponentes e demais envolvidos;

II – descrição pormenorizada do ato ou da situação;

III – valores envolvidos, quando houver, notadamente valores que tenham sido declarados, indicados por avaliadores ou adotados para fins de incidência tributária ou para fins patrimoniais em contexto sucessório ou de integralização de capital societário, por exemplo;

IV – datas relevantes envolvidas, notadamente do ato cartorário ou da proposta de sua lavratura, de negócios aos quais se refira ou de situações correlatas;

V – formas de pagamento de valores envolvidos, quando houver;

VI – meios de pagamento de valores envolvidos, quando houver;

VII – fontes em que obtidas as informações relativas a cada um dos demais incisos deste artigo incluídas no registro, a exemplo de declaração ou documento apresentado pelas partes, outros documentos disponíveis, registros públicos, bases de dados ou cadastros a que se tenha acesso, fontes abertas disponíveis pela rede mundial de computadores (internet) ou veículos jornalísticos; e

VIII – outras informações nos termos de regulamentos especiais e instruções complementares.” (NR)

Com a análise deste artigo, foi constituída mais uma obrigação às serventias cartorárias, visto que o registro mencionado no art. 149 não se confunde com o registro da atividade-fim, ou seja, se estamos falando de cartório de registro de imóveis, o oficial vai proceder com 02 (dois) registros: o registro do art. 149 direcionado ao órgão de controle e o registro do art. 167 da Lei de Registros Públicos. Isso está previsto no art. 150-A do Provimento:

Art. 150-A. O registro de que trata o art. 149:

I - deve ser mantido de modo a viabilizar a implementação dos procedimentos de monitoramento, seleção, análise e comunicação de que tratam os arts. 141 e 142, bem como o atendimento a requisições de autoridades competentes, como as referidas no art. 178; e

II - não se confunde com o ato-fim da própria serventia, ainda que suas informações possam eventualmente constar em um mesmo ambiente ou suporte documental, desde que isso não comprometa a restrição do acesso a informações sensíveis, para fins de PLD/FTP, em conformidade com o disposto no art. 154.” (NR)

4. O que efetivamente muda para os consumidores dos serviços notariais e registrais?

Diante de tudo que foi exposto acima, o que efetivamente muda para o consumidor dos serviços notariais e registrais?

Quando estiver falando de escrituras públicas que digam respeito há operações onerosas, ou seja, de constituição, alienação e/ou oneração de direitos reais sobre imóveis, deverão ser apresentadas todas as informações vinculadas ao pagamento dessas operações: forma de pagamento, data de pagamento, meios de pagamento e, ainda, os seus respectivos comprovantes.

É o que estabelece o art. 165-A do Provimento 161/2024:

Art. 165-A. Toda escritura pública de constituição, alienação ou oneração de direitos reais sobre imóveis deve indicar, de forma precisa, meios e formas de pagamento que tenham sido utilizados no contexto de sua realização, bem como a eventual condição de pessoa politicamente exposta de cliente ou usuário ou de outros envolvidos nesse mesmo contexto.

§ 1.º Para efeito da indicação de meios e formas de pagamento de que trata o caput, deve-se, com base em fonte documental ou declaração das partes, observar o seguinte:

I - o uso de recursos em espécie deve ser expressamente mencionado juntamente com local e data correspondentes;

II - na menção a transferências bancárias, devem ser especificados dados bancários que permitam identificação inequívoca das contas envolvidas, tanto de origem quanto de destino dos recursos transferidos, bem como dos seus titulares e das datas e dos valores das transferências;

III - na referência a cheques, devem ser especificados os seus elementos de identificação, as informações da conta bancária de origem e de eventual conta de destino dos recursos correspondentes e dos seus titulares, bem como a data e os valores envolvidos;

IV - o emprego de outros meios de pagamento que não os indicados nos incisos I, II e III, tais como participações societárias na forma de cotas ou ações, cessões de direitos, títulos e valores mobiliários, ativos virtuais, dações em pagamento, permutas ou prestações de serviço, deve ser expressamente mencionado juntamente com local e data correspondentes e com a especificação de dados destinados a viabilizar a identificação da origem e do destino dos valores pagos; e

V - em relação a pagamentos de forma parcelada, devem ser discriminados os meios de pagamento correspondentes a cada parcela, incluindo os dados apontados nos incisos I, II, III e IV, conforme o meio de pagamento de que se trate.

§ 2.º No caso de pagamento que envolva contas ou recursos de terceiros, estes devem ser qualificados na escritura pública.

§ 3.º A recusa de partes em fornecer informações para viabilizar as indicações de que trata este artigo deve ser mencionada na escritura, sem prejuízo do disposto no art. 155, VIII.”

Antes deste regramento, não se existia a preocupação em se comprovar o lastro da operação financeira vinculada a operação imobiliária. Com o Provimento, todavia, não é suficiente ter uma operação imobiliária válida do ponto de vista técnico-jurídico, também se faz imprescindível demonstrar o lastro financeiro que deu fundamento àquela operação imobiliária e, mais uma vez, tudo com objetivo de combater lavagem de dinheiro, financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa.

Nesta etapa, também cumpre evidenciar que as Partes envolvidos podem se recusar a prestar as informações solicitadas pelas serventias, mas tal omissão implicará na previsibilidade da declaração da recusa na própria Escritura Pública e tal recusa será informada ao órgão controlador, a Unidade de Inteligência Financeira (“UIF”).

5. Conclusão:

Diante do exposto, resta evidente que o Provimento 161/2024 veio para criar regras dentro do serviço extrajudicial com a finalidade multidisciplinar de combater e fiscalizar atos ilícios, especificamente àqueles vinculados ao Sistema Brasileiro LD/FTP.


Bibliografia:

BRASIL. Lei nº 6.015/1973. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm

BRASIL. Provimento nº 161/2024 do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5480

BRASIL. Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Disponível em: https://www.gov.br/coaf/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-do-coaf-1/notas-do-coaf-1/gafi-resultados-da-reuniao-plenaria-de-junho-de-202