ARTIGO PSJ

Questões Atuais sobre Condomínio Edilício antes do Habite-se: Incorporação Imobiliária e Registro de Imóveis (Provimento nº 169 do CNJ)

Portela Soluções Jurídicas

Escritório de Advocacia

1. Introdução | 2. Aspectos Legais do Condomínio Edilício | 3. Da Instituição do Condomínio Protoedilício pelo Registro da Incorporação Imobiliária. Do provimento nº 169 do CNJ. | 4. Conclusão

1. Introdução

O presente artigo explora os principais aspectos legais que envolvem a constituição e o funcionamento do condomínio edilício no Brasil, destacando as diferenças cruciais entre a instituição do condomínio especial sobre frações ideais e a constituição do condomínio edilício propriamente dito. Dado o crescente número de brasileiros que residem em condomínios, entender essas nuances jurídicas é fundamental tanto para os profissionais do mercado imobiliário quanto para os condôminos, a fim de garantir segurança jurídica e conformidade com a legislação vigente em todas as etapas do processo, desde a incorporação até a entrega das unidades.

2. Aspectos Legais do Condomínio Edilício

O Condomínio Edilício pode ser conceituado como um conjunto de propriedades exclusivas que integram uma edificação unitária, além de áreas comuns que estão vinculadas às unidades privativas anteriormente mencionadas (SCAVONE JR., 2016). Esse modelo de habitação tem se tornado cada vez mais comum no Brasil. De acordo com o último censo, realizado em 2022, cerca de 13,3 milhões das residências estão localizadas em condomínios, o que corresponde a 12,4% dos endereços pesquisados. Os dados, divulgados pelo Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), mostram que, em média, uma em cada oito famílias, independentemente de sua composição, opta por residir em condomínios¹.

Diante dos dados acima, depreende-se a importância de tratar acerca do tema de forma simples. Assim, para facilitar a compreensão dos leitores, imaginemos um edifício residencial. Os apartamentos circunscritos em cada edifício são qualificados enquanto imóveis apartados, de propriedade exclusiva de um condômino. Relacionado a este imóvel exclusivo estão também agregadas áreas de uso comum, como garagens, elevadores, piscinas, salões de festa, academia, dentre outras que integram a área total da edificação. A partir desta congregação de bens imóveis de uso privativo e uso partilhado, surge a necessidade de regulamentação jurídica das relações desenvolvidas nesse ecossistema – notoriamente previstas nos artigos 1.331 a 1.356 do Código Civil de 2002. É exatamente a partir da constituição jurídica do condomínio edilício que se torna possível a regulamentação supramencionada.

¹ A pesquisa realizada pelo Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), incorporada ao Censo do ano de 2022, traz em seu bojo um retrato apurado sobre as condições de habitabilidade e predileções dos brasileiros no mercado imobiliário enquanto consumidores. A pesquisa pode ser visualizada no link: https://exame.com/brasil/enderecos-brasil-condominios-censo-2022/

Sobre o tema, o Código Civil é taxativo quanto ao procedimento a ser adotado:

“Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:

I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;

II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

III - o fim a que as unidades se destinam”.

O Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Pernambuco é sucinto ao tratar sobre o procedimento legal para instituição do condomínio edilício, limitando-se à reprodução do texto legal presente no Código Civil de 2002, acrescentando, apenas, a previsão de instituição do condomínio edilício, tanto por instrumento público quanto por particular. É disposto que:

“Art. 1474. Institui‐se o condomínio edilício por ato entre vivos, mediante instrumento público ou particular, bem como por testamento, desde que registrados no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato a qualificação completa do ou dos instituidores com a indicação precisa do respectivo título de domínio e de seu registro, assim como, além do disposto em lei especial:

I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;

II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

III – o fim a que as unidades se destinam;

IV – o original do projeto aprovado pela prefeitura do Município da situação do imóvel”.

Da leitura de ambos os dispositivos, é possível depreender que o entendimento comum é de que a existência jurídica do condomínio é concretizada após a conclusão das obras de edificação do condomínio em si. Por consequência lógica, com a certificação corporificada pela obtenção do Habite-se, há então um condomínio erigido.

Contudo, para viabilizar juridicamente as vendas realizadas por incorporadoras e corretores de unidades imobiliárias ainda na fase de construção, o entendimento acima foi estendido a fim de compatibilizar as necessidades crescentes do mercado com as previsões normativas vigentes, como veremos a seguir.

3. Da Instituição do Condomínio Protoedilício pelo Registro da Incorporação Imobiliária. Do Provimento nº 169 do CNJ.

Analisando o desenvolvimento das atividades do mercado imobiliário, é possível pressupor que, habitualmente, a instituição do condomínio, nos moldes dispostos no artigo 1.332 do Código Civil se dá por meio da incorporação imobiliária, uma vez que, com a incorporação é possível promover a venda das unidades que formam o condomínio. Por seu turno, a incorporação engloba diversos procedimentos jurídicos e negociais, desde a análise de viabilidade do terreno para a construção até a aprovação de projeto arquitetônico do empreendimento, tudo isto a fim de possibilitar o registro.

Nesse contexto, a incorporação imobiliária, na melhor forma do artigo 32 da Lei nº 4.591/1964 e do artigo 167, I, 17, da Lei nº 6.015/1973, é constituída a partir do efetivo registro do Memorial de Incorporação na matrícula do terreno no qual o empreendimento será desenvolvido. A doutrina e a jurisprudência são consonantes quanto à obrigatoriedade de tal registro para que seja feita, inclusive, a própria oferta de alienação das unidades condominiais. Sobre tal disposição legal, o professor André Abelha brilhantemente sintetiza que “é o registro da incorporação que confere existência legal às frações de terreno e respectivas acessões sob regime condominial especial e viabiliza sua alienação válida e eficaz, à luz do princípio da especialidade do sistema registral (...)” (ABELHA, 2021).

Por outro lado, a constituição do condomínio não dispõe da mesma unanimidade. Por isso, é importante que se atente à especificidade do regime condominial instituído, pois, há muito coexistem posições doutrinárias divergentes sobre o caráter único do registro da incorporação imobiliária e da constituição do condomínio protoedilício, que é resultante do registro notarial, conforme disposto na Lei nº 4.591/1964 (artigo 32, §15). Sobre este cenário de dissenso, a Corregedoria Nacional de Justiça, na figura do Corregedor Nacional, Ministro Luis Felipe Salomão, publicizou voto que acrescentou o Capítulo VI ao CNN/CN/CNJ-Extra, trazendo expressa a distinção de ambos os institutos, vejamos:

“Art. 1º O Título Único do Livro III da Parte Especial do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), instituído pelo Provimento nº 149, de 30 de agosto de 2023, passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo VI:

(...)

Art. 440-AN. O registro único da incorporação e da instituição do condomínio especial sobre frações ideais não se confunde com o registro da instituição e da especificação do condomínio edilício”. (sem grifos no original)

Em síntese, observa-se como é fundamental distinguir entre a instituição do condomínio especial sobre as frações ideais, que resulta do registro da incorporação imobiliária, e a constituição do condomínio edilício propriamente dito. Enquanto o primeiro se refere à fase inicial em que a incorporação é formalizada, permitindo a alienação das frações ideais de terreno, o segundo se concretiza com a etapa de finalização das obras e a efetiva entrega das unidades aos condôminos.

Essa distinção torna evidente a necessidade de uma assessoria jurídica qualificada ao longo de todo o processo de incorporação imobiliária. Esta deve abranger todas as etapas do empreendimento, desde a prospecção e aquisição dos terrenos até a abertura das matrículas das frações ideais e sua entrega, garantindo que cada etapa esteja em conformidade com a legislação e protegendo os interesses de todos os envolvidos.

4. Conclusão

Em resumo, a análise dos aspectos legais do condomínio edilício evidencia a complexidade e a importância de um entendimento claro sobre a regulamentação deste instituto, especialmente em um cenário onde o crescimento do número de condomínios é evidente.

Por esta razão, a legislação atual, ao disciplinar tanto a instituição do condomínio edilício quanto a incorporação imobiliária, busca assegurar a transparência e a segurança jurídica nas relações entre incorporadores, condôminos e demais partes envolvidas. Essa clareza é essencial para viabilizar o mercado imobiliário e proteger os interesses dos adquirentes de unidades, garantindo que as práticas estejam em conformidade com as normativas vigentes.

Bibliografia:

- SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário - Teoria e Prática. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

- BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 1973.

- BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 1964.

- ABELHA, André. A instituição do condomínio edilício pelo registro da incorporação imobiliária. Migalhas Edilícias, Migalhas, 31 jul. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-edilicias/380677/a-instituicao-do-condominio-edilicio-pelo-registro-da-incorporacao. Acesso em: 13 ago. 2024.

- RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 8. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

- BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento n. 169, de 27 de maio de 2024. Acrescenta o Capítulo VI ao Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5598. Acesso em: 13 ago. 2024.