ARTIGO PSJ

Reforma Tributária: Expectativas acerca da Emenda Constitucional nº 132/2023 e Lei Complementar nº 214/2025

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1. Introdução | 2. Objetivos da Reforma Tributária Segundo o Governo Federal | 3. Alterações Promovidas pela Reforma Tributária | 4. Impactos Esperados pelo Governo | 5. Bens e Serviços que Farão Jus a Regimes Favorecidos | 6. Bens e Serviços Submetidos a Regimes Específicos | 7. Etapas da Transição para o Novo Modelo de Tributação | 8.  Conclusão.

1. Introdução

O Congresso Nacional aprovou no final de 2024 a Emenda Constitucional nº 132/2023, a tão aguardada Reforma Tributária, marcando um passo decisivo na tentativa de modernização e simplificação do complexo sistema tributário brasileiro.

Nessa primeira etapa, a reforma foi centrada na tributação sobre o consumo, e com a nova estrutura o governo promete racionalizar o modelo vigente, que por décadas foi criticado por sua complexidade, burocracia e ineficiência.

Agora, no início de 2025, foi dado mais um passo fundamental para a implementação da Reforma Tributária. Com a publicação da Lei Complementar nº 214/2025, foram instituídos os novos tributos previstos pela EC nº 132/2023, estabelecido um Comitê Gestor do IBS em uma versão provisória e regulados outros aspectos da Reforma Tributária.

Neste artigo, vamos tratar sobre os objetivos, principais mudanças e as expectativas do governo para essa nova etapa de tributação sobre o consumo, que será implementada no nosso país nos próximos anos.

2. Objetivos da Reforma Tributária Segundo o Governo Federal

Segundo o governo, a reforma tributária tem três objetivos:

a) Crescimento econômico sustentável: A reforma tributária visa eliminar distorções do sistema atual, reduzindo custos e ineficiências. Isso impulsionará o crescimento econômico, gerando mais empregos e renda para os brasileiros.

b) Justiça tributária e redução de desigualdades: A reforma mudará a arrecadação de tributos da origem para o destino, beneficiando estados e municípios menos desenvolvidos e reduzindo desigualdades regionais e sociais. A adoção de uma alíquota-padrão e o cashback ajudarão a alcançar esse objetivo.

c) Redução da complexidade e aumento da transparência: A reforma simplificará a apuração de tributos, diminuindo custos e litígios. Isso trará mais segurança jurídica, estimulará a concorrência leal e resultará em bens e serviços de melhor qualidade e preços mais baixos. A transparência permitirá que os cidadãos saibam exatamente quanto pagam de tributos, promovendo maior cidadania fiscal.

3. Alterações Promovidas pela Reforma Tributária

A reforma tributária introduzirá um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) Dual, composto pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) estadual e municipal. O IVA incidirá sobre cada operação com bens e serviços na cadeia econômica, onde os adquirentes pagam o preço das aquisições, incluindo o imposto, ao fornecedor ou prestador. Este coleta o imposto, deduz o valor do imposto cobrado sobre suas aquisições (crédito do imposto) e repassa o valor à administração tributária.

As empresas terão crédito total dos tributos pagos nas suas aquisições, sendo desoneradas, e o ônus econômico recairá apenas sobre o consumo final.

A instituição do cashback promoverá a devolução de parte do imposto pago para as famílias, beneficiando especialmente as de menor renda, tornando a tributação sobre o consumo mais progressiva.

Além disso, a reforma prevê a criação do Imposto Seletivo (IS) federal, com caráter regulatório, para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como combustíveis fósseis, produtos de tabaco, bebidas alcoólicas e produtos com alto teor de açúcar.

Na esfera federal, a CBS e o IS substituirão o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Nas esferas estadual e municipal, o IBS substituirá o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) estadual e o ISS (Imposto sobre Serviços) municipal.

Embora o IBS e a CBS tenham administrações separadas, suas regras são harmonizadas pela Lei Complementar nº 214/2025, que definiu: a) Fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; b) Imunidades; c) Regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; d) Regras de não cumulatividade e creditamento.

A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) terão as principais características de um bom Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), que incluem:

a) Base ampla de incidência: O IBS e a CBS abrangerão todas as operações com bens materiais e imateriais, incluindo direitos e serviços, como alienação, troca, locação, cessão, licenciamento, arrendamento mercantil e prestação de serviços.

b) Tributação no destino: Os tributos serão destinados ao ente onde estão localizados os consumidores dos bens ou serviços.

c) Não cumulatividade plena: Os tributos pagos ao longo da cadeia gerarão créditos imediatos, inclusive os pagos na aquisição de bens do ativo fixo e bens de uso e consumo utilizados na atividade econômica. Isso desonera a cadeia econômica, os investimentos e as exportações, fazendo com que a tributação recaia apenas sobre o consumo final.

d) Legislação uniforme: O IBS e a CBS terão regras idênticas aplicáveis em todo o território nacional.

e) Cobrança “por fora”: Os tributos não comporão a base de cálculo deles mesmos nem a base um do outro, tornando suas alíquotas transparentes para os cidadãos.

f) Rápida devolução dos créditos acumulados: Os créditos acumulados, devidos aos contribuintes, serão ressarcidos de forma rápida e eficiente.

g) Desoneração dos investimentos: Os investimentos gerarão aproveitamento imediato dos créditos, que serão ressarcidos rapidamente.

h) Desoneração das exportações: O exportador receberá de volta o valor do IVA incidente sobre os insumos e demais mercadorias e serviços adquiridos.

i) Incidência sobre importações: As mercadorias e os serviços importados, inclusive os digitais, terão a mesma tributação aplicável aos nacionais.

4. Impactos Esperados pelo Governo

A reforma tributária proposta pelo governo promete impactos positivos nas perspectivas econômica, social e federativa. Estima-se um crescimento adicional da economia de 12% a 20% em 15 anos, o que representaria R$ 1,2 trilhão a mais no PIB de 2022. Todos os setores seriam beneficiados, com projeções de crescimento para agro (+10,6%), indústria (+16,6%) e serviços (+10,1%). A reforma também deve gerar de 7 a 12 milhões de novos empregos e aumentar o poder de compra, especialmente dos mais pobres.

A arrecadação passará da origem para o destino, beneficiando estados e municípios mais pobres, reduzindo a diferença de receitas entre os municípios mais ricos e os mais pobres de 200 vezes para 15 vezes. A premissa é de que não haverá aumento de carga tributária, com alíquotas de referência do IBS e da CBS estabelecidas e revisadas anualmente pelo Senado Federal para manter a arrecadação dos atuais tributos.

A adoção de uma alíquota padrão uniforme trará mais simplicidade e isonomia. A reforma manterá a carga tributária total sobre o consumo, mas, com uma alíquota-padrão e regimes favorecidos, os preços de alguns produtos e serviços podem variar. A transição para o novo modelo tributário assegura ajustes graduais nos preços.

Outros fatores, como a desoneração dos investimentos e a eliminação das distorções do sistema atual, podem levar à queda dos preços dos produtos e serviços. A alíquota-padrão do IBS e da CBS será calculada para manter o nível de arrecadação atual dos impostos substituídos. A definição exata das alíquotas ocorrerá após a aprovação das leis complementares e ordinárias que instituirão o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo.

A revisão anual das alíquotas pelo Senado Federal durante a transição permitirá a correta calibragem, assegurando a manutenção da carga tributária total. O Ministério da Fazenda estima que a alíquota-padrão do IBS e da CBS somados ficará entre 25,45% e 27%. Qualquer redução nas alíquotas para um bem ou serviço específico precisa ser compensada pelo aumento da alíquota padrão para manter a carga tributária agregada.

5. Bens e Serviços que Farão Jus a Regimes Favorecidos

O texto aprovado pela Câmara dos Deputados contempla os seguintes regimes favorecidos:

a) Agronegócio e Alimentos: terão alíquota reduzida de IBS e CBS, correspondente a 40% da alíquota padrão para Alimentos destinados ao consumo humano; Insumos agropecuários e aquícolas; Produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura. A Reforma também cria a cesta básica nacional de alimentos, que terá alíquota zero de CBS e IBS. Os itens que comporão esta cesta serão definidos em lei complementar. A PEC já define que produtos hortícolas, frutas e ovos terão alíquota zero. Além disso, o pequeno produtor rural e o produtor integrado com receita anual inferior a R$ 3,6 milhões poderão optar por não serem contribuintes do IBS e da CBS, caso em que os adquirentes de seus produtos terão direito a crédito presumido.

Haverá ainda a manutenção do tratamento favorecido aos biocombustíveis, nos termos da Emenda Constitucional nº 132/2023, com exclusão da limitação a biocombustíveis destinados ao consumo final.

b) Cultura e Esporte: terão alíquota reduzida de IBS e CBS, correspondente a 40% da alíquota padrão para as Produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e Atividades desportivas. Além disso, atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, terão isenção ou alíquota zero no IBS e na CBS.

c) Educação: terão alíquota reduzida de IBS e CBS, correspondente a 40% da alíquota padrão os serviços de educação. A alíquota zero na CBS será mantida para o Prouni e os critérios da imunidade de entidades filantrópicas e dos livros serão mantidos no IBS e estendidos para a CBS.

d) Saúde: terão alíquota reduzida de IBS e CBS, correspondente a 40% da alíquota padrão serviços de saúde; Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; Medicamentos; Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; Produtos de higiene pessoal. Haverá a possibilidade de alíquota zero para alguns medicamentos e dispositivos médicos e de acessibilidade.

e) Transporte rodoviário, ferroviário e hidroviário de passageiros: Os serviços de transporte coletivo de passageiros terão alíquota reduzida de IBS e CBS, correspondente a 40% da alíquota padrão, com possibilidade de isenção pela Lei Complementar. Haverá, ainda, crédito presumido para transportadores autônomos pessoa física que não sejam contribuintes do IBS e da CBS.

f) Outros: Crédito presumido para resíduos e demais materiais destinados à reciclagem, reutilização ou logística reversa e de bens móveis usados para revenda; Imunidade de CBS e IBS para serviços de radiodifusão; Alíquota reduzida de IBS e CBS, correspondente a 40% da alíquota padrão, para segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética.

6. Bens e Serviços Submetidos a Regimes Específicos

Regimes específicos de tributação são aqueles em que há um modelo diferente de apuração do tributo, o que não significa que sejam mais benéficos.

Os regimes específicos de tributação aprovados pela Câmara dos Deputados são:

a) Combustíveis e lubrificantes: Cobrança monofásica em valor fixo por unidade de medida (litro), diferenciada por produto e uniforme em todo o território nacional, com concessão de crédito para o sujeito passivo dos tributos que adquirir combustível para suas atividades, exceto distribuição, comercialização e revenda.

b) Serviços financeiros: Alterações nas alíquotas, regras de creditamento e base de cálculo, com possibilidade de tributação baseada na receita ou faturamento. O regime padrão de débito e crédito no IVA não é adequado para operações remuneradas na forma de margem.

c) Planos de assistência à saúde: Alterações nas alíquotas, regras de creditamento e base de cálculo, com possibilidade de tributação baseada na receita ou faturamento.

d) Concursos de prognósticos: Alterações nas alíquotas, regras de creditamento e base de cálculo, com possibilidade de tributação baseada na receita ou faturamento.

e) Operações com bens imóveis: Alterações nas alíquotas, regras de creditamento e base de cálculo, com possibilidade de tributação baseada na receita ou faturamento, devido à heterogeneidade do mercado imobiliário.

f) Operações contratadas pela administração pública direta, autarquias e fundações públicas: Dois regimes alternativos – não incidência do IBS e CBS com manutenção dos créditos das operações anteriores, ou destinação integral da arrecadação ao ente federativo contratante.

g) Sociedades cooperativas: Regime optativo para assegurar competitividade, definindo hipóteses de não incidência do imposto sobre operações entre a cooperativa e seus associados, e entre cooperativas associadas.

h) Serviços de hotelaria, parques de diversão e temáticos, bares, restaurantes e aviação regional: Possibilidade de alterações nas alíquotas e regras de creditamento do IBS e CBS.

7. Etapas da Transição para o Novo Modelo de Tributação

A reforma tributária prevê dois períodos de transição: um geral de sete anos, que afetará toda a sociedade brasileira, e outro específico para os entes federativos, de 50 anos, imperceptível para a sociedade. A transição geral começará em 2026 e terminará em 2033, quando os atuais tributos sobre o consumo serão extintos e o novo modelo estará plenamente vigente.

Para viabilizar o início da transição foi aprovada a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta o IBS e a CBS, o Conselho Federativo do IBS, o Fundo de Desenvolvimento Regional e o ressarcimento dos saldos credores acumulados do ICMS, além de estruturar o modelo de cobrança dos novos tributos.

Em 2026, haverá calibragem das alíquotas e testes do sistema, com alíquotas iniciais de 0,1% para o IBS e 0,9% para a CBS. Em 2027, a CBS será cobrada pela alíquota cheia, extinguindo o PIS e a Cofins, e as alíquotas do IPI serão reduzidas a zero, exceto para produtos da Zona Franca de Manaus, além da instituição do Imposto Seletivo.

De 2029 a 2032, ocorrerá a transição do ICMS e do ISS para o IBS, com redução gradual das alíquotas do ICMS e do ISS e aumento gradual da alíquota do IBS. Em 2033, o ICMS, o IPI e o ISS serão extintos e o novo modelo estará integralmente vigente.

Durante a transição, o Senado Federal fixará as alíquotas de referência dos tributos, revisadas anualmente para manter a carga tributária. Este período é crucial para calibrar as alíquotas, implementar novos sistemas de arrecadação e garantir segurança jurídica dos investimentos feitos com base nos incentivos fiscais e regimes diferenciados do sistema atual.

8. Conclusão

Em resumo, a reforma tributária proposta pelo governo promete não apenas simplificar o sistema tributário, mas também promover um crescimento econômico significativo, gerar milhões de novos empregos e aumentar o poder de compra das famílias brasileiras. A transição da arrecadação da origem para o destino, beneficiará especialmente os estados e municípios mais pobres, reduzindo as desigualdades regionais.

Com a manutenção da carga tributária total sobre o consumo e a adoção de alíquotas padrão, a reforma busca garantir transparência e isonomia, enquanto ajustes graduais nos preços dos produtos e serviços serão implementados a fim de assegurar uma transição suave para o novo modelo tributário.

Referências Bibliográficas:

- BRASIL. Emenda Constitucional nº 132/2023, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional, publicada no DOU em 21.12.2023.

- BRASIL. Lei Complementar nº 214/2025, de 16 de janeiro de 2025. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS); cria o Comitê de IBS e altera a legislação tributária, publicada no DOU em 16.01.2025 e republicada no DOU em 23.01.2025.

- Reforma Tributária – Perguntas e Respostas. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/arquivos/perguntas-e-respostas-reforma-tributaria_.pdf. Acesso em: 16 mar.2025.