ARTIGO PSJ
Teoria do Adimplemento Substancial e sua Aplicação em Promessas de Compra e Venda
1. Introdução à Teoria do Adimplemento Substancial | 2. O Silêncio da Lei do Distrato sobre o Adimplemento Substancial | 3. Análise Jurisprudencial | 4. Diretrizes para as Incorporadoras | 5. Conclusão
1. Introdução à Teoria do Adimplemento Substancial
A teoria do adimplemento se fundamenta nos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos (CJF, 2006), e propõe-se, resumidamente, a balizar as hipóteses de resolução contratual por inadimplemento voluntário das partes contratantes (Tartuce, 2015).
Em suma, a teoria preceitua que: se houve o cumprimento de parte substancial do contrato pelo devedor, a resolução da avença consiste em medida desproporcional e excessivamente prejudicial para ele, razão pela qual o contrato deve ser preservado e o credor precisará se valer de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução da obrigação, como a cobrança e execução do título.
2. O Silêncio da Lei do Distrato sobre o Adimplemento Substancial
Sobre a matéria, vale esclarecer que a Lei de nº 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato (Brasil, 2018), disciplina as regras para a rescisão dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, mas não fixa parâmetros específicos para a definição das hipóteses de impedimento da resolução contratual em virtude do adimplemento substancial, o que exige a análise da jurisprudência para delimitar tais parâmetros.
3. Análise Jurisprudencial
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem explorado os limites da aplicação do adimplemento substancial e se posicionado pela necessidade de uma análise específica do caso concreto posto a julgamento, visto que a mera análise quantitativa (percentual) como critério para a aplicação da teoria não atende aos seus princípios basilares - boa-fé objetiva e função social dos contratos- e pode, inclusive, vir a se converter em um instrumento à disposição do devedor para justificar sua inadimplência com relação ao pagamento das parcelas finais pactuadas no contrato, desvirtuando a finalidade do instituto.
Desse modo, o entendimento da jurisprudência do STJ é no sentido de que a aplicação da teoria do adimplemento substancial deve ser feita com base no critério composto de aferição, que reúne a análise de parâmetros qualitativos e quantitativos, em conformidade com a orientação fornecida pelo Conselho da Justiça Federal por meio do Enunciado nº 361 (CJF, 2006), aprovado na VII Jornada de Direito Civil, que orientou a análise dos seguintes critérios quando da aplicação deste instituto jurídico:
1. Critério Quantitativo: Percentual do contrato que foi cumprido.
2. Critérios Qualitativos: Os efeitos decorrentes do descumprimento, incluindo: i) a satisfação dos interesses do credor; ii) o atingimento da função do negócio celebrado; iii) a manutenção do equilíbrio contratual e iv) a diligência por parte do devedor para a satisfação da obrigação.
Para se ter uma noção percentual do critério quantitativo utilizado pela jurisprudência do STJ, foram analisados os seguintes julgados sobre a matéria: REsp. 76.362/MT; REsp. 1.622.555/MG; REsp. 469.577/SC; AgRg no AgREsp 155.885/MS; REsp. 1.051.270⁄RS; e REsp 1.581.505/SC.
Tais julgados versam sobre contratos com a pactuação de prestações sucessivas e, apesar dos diferentes critérios utilizados pelo STJ, o maior percentual de inadimplência admitido para a aplicação da teoria do adimplemento substancial foi de 20% sobre o valor histórico do contrato, ou seja, sem a inclusão dos fatores de correção e multa.
4. Diretrizes para as Incorporadoras
Com base nos julgados mencionados, pode-se extrair algumas diretrizes para a aplicação da teoria do adimplemento substancial nos contratos de promessa de compra e venda de unidades imobiliárias:
1. Proporção do Inadimplemento: Conforme supramencionado, a jurisprudência sugere que inadimplementos menores, especialmente aqueles inferiores a 20% do valor histórico do contrato, podem ser vistos como insuficientes para justificar a resolução por inadimplemento, principalmente se o valor em aberto for pouco significativo em relação ao total já pago.
2. Impacto da Inadimplência: Além da proporção, deve-se considerar o impacto da inadimplência na relação contratual. Isso porque pequenas inadimplências, como atrasos nas últimas parcelas, geralmente não justificam resolução, mas podem existir situações excepcionais nas quais a extinção do contrato se torne necessária diante do impacto da inadimplência para algum dos contratantes.
5. Conclusão
Diante do exposto, verifica-se que não há um critério numérico fixo para a aplicação da teoria do adimplemento substancial. Não obstante, a análise dos julgados proferidos pelo STJ sugere que um percentual de inadimplemento inferior a 20% do valor total do contrato (não corrigido), especialmente se o impacto da inadimplência for mínimo, costuma ser insuficiente para justificar a resolução contratual pela incorporadora.
Assim, recomenda-se que as construtoras optem pela resolução dos contratos apenas se o inadimplemento for significativo (maior que 20%), além de impactar negativamente a relação contratual e a função do negócio. Entretanto, se o inadimplemento for inferior a 20% do valor total e não afetar substancialmente os interesses contratuais, recomenda-se a preservação do contrato, pois a resolução pode ser considerada excessivamente gravosa e desproporcional, não sendo a melhor opção sob a ótica da boa-fé objetiva e da jurisprudência atual.
Por fim, convém ressaltar que é importante que a incorporadora mantenha em seu banco de dados registros detalhados de todos os pagamentos, negociações e comunicações com os compradores, de modo a fundamentar eventuais decisões de resolução ou manutenção dos contratos com base em uma análise criteriosa.
Referências Bibliográficas:
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