ARTIGO PSJ
Troca de Terreno por Apartamentos Futuros
1. Introdução | 2. Conceito de Permuta Imobiliária | 3. Tipos de Permuta Imobiliária | 4. Estrutura Jurídica Adotada na Prática como Alternativa à Permuta no Âmbito da Incorporação Imobiliária | 5. Conclusão
1. Introdução
É comum que donos de terrenos ou de terrenos com casas a demolir, especialmente herdeiros, recebam propostas de incorporadoras/construtoras para trocar seus imóveis por unidades futuras como, por exemplo, apartamentos em edifício que será construído no local.
Existem diversos modelos de negócios que podem ser utilizados para viabilizar esse tipo de transação imobiliária, a depender das circunstâncias de cada caso concreto, dos impactos tributários e dos interesses das partes envolvidas.
Neste artigo, após tecermos considerações gerais acerca da troca/permuta de imóveis no contexto das incorporações imobiliárias, abordaremos um tipo de estrutura jurídica adotada com frequência na prática e que, embora no seu pano de fundo guarde a intenção da permuta, trata-se de uma compra e venda com outros pactos a ela atrelados.
2. Conceito de Permuta Imobiliária
A permuta, conforme se extrai da Instrução Normativa nº 107, de 14 de julho de 1988, da Receita Federal, tem a seguinte definição:
“1. Disposições Gerais.
1.1. Para fins desta instrução normativa, considera-se permuta toda e qualquer operação que tenha por objeto a troca de uma ou mais unidades imobiliárias por outra ou outras unidades, ainda que ocorra, por parte de um dos contratantes o pagamento de parcela complementar em dinheiro aqui denominada torna.” (grifos nossos)
Por outro lado, podemos definir incorporação imobiliária como “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas” (apartamentos, casas, lotes), conforme se denota do parágrafo único, do art. 28, da Lei nº 4.591/64, que dispõe acerca das incorporações imobiliárias (grifos nossos).
De uma forma bem simples, pode-se dizer que a troca ou permuta de terreno para incorporação é um negócio jurídico imobiliário em que as partes – de um lado, o dono do terreno também chamado de terrenista e, do outro lado, a empresa incorporadora – concordam em trocar imóveis, com o objetivo de construir empreendimentos imobiliários.
3. Tipos de Permuta Imobiliária
Para fins didáticos, tem-se:
a) Permuta física que corresponde à troca do terreno por imóveis prontos (“permuta tradicional”) ou a troca do terreno por unidades imobiliárias a serem construídas (“permuta por área construída”), com ou sem torna.
No que toca à “permuta por área construída”, por remeter ao conceito de imóvel futuro que ainda não existe, poder-se-ia indagar se há amparo legal para tanto. Em outras palavras, se é possível ter por objeto da permuta coisa futura.
A resposta é sim, pois os arts. 533 e 483 do Código Civil dão lastro à concretização de permutas que tenham como objeto coisa futura, no caso, unidades imobiliárias a serem construídas (Ex: apartamentos).
O Código Civil, em seu art. 533, dispõe que à troca (permuta) se aplicam as mesmas disposições da compra e venda. Enquanto o art. 483 do mesmo Código prevê:
“Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório”. (grifos nossos)
Esclarecida esta questão relativa à possibilidade de um dos imóveis a ser permutado corresponder à coisa futura, passemos a analisar o que seria a permuta física com torna.
A torna nada mais é do que o pagamento pelo permutante, em dinheiro, da diferença de valor entre um dos bens permutados em relação ao outro bem.
No dizer do professor Marcus Vinícius Motter Borges e de Jéssica Costa:
“Buscando uma espécie de equivalência entre os bens trocados – o que é compatível com a natureza comutativa do contrato – é possível ao permutante cobrir a diferença entre os bens com uma complementação em dinheiro, que poderá ser dada por ambas
ou por somente uma das partes. Denominou-se essa peculiaridade de permuta com torna.” (grifos nossos)
b) Permuta financeira que é a operação por meio da qual o terreno é disponibilizado para a incorporadora e o terrenista não é pago com unidades imobiliárias, mas sim com um percentual do faturamento ou lucro da operação, resultantes da comercialização das unidades autônomas que serão construídas no local.
Diz-se que a permuta financeira, em verdade, seria uma compra e venda, uma vez que o terrenista disponibiliza seu imóvel para determinado fim para, depois, receber um pagamento em dinheiro.
4. Estrutura Jurídica Adotada na Prática como Alternativa à Permuta no Âmbito da Incorporação Imobiliária
Como mencionado no início, é possível estruturar diversos modelos de negócios para dar forma jurídica às transações imobiliárias.
Sem entrar no mérito de qual seria a melhor estrutura a ser adotada, passamos a discorrer sobre uma modalidade que pode não ser a ideal, nem a mais segura, mas, admita-se, tem sido frequentemente utilizada nos casos em que ainda não há incorporação imobiliária concomitante ou pré-existente à proposta da construtora ao terrenista para permutar o terreno por unidades futuras.
O ideal, saliente-se, é já existir a incorporação imobiliária, que demanda o cumprimento de uma série de exigências, a aprovação dos projetos e a apresentação de criteriosa lista de documentos, tudo conforme previsto na Lei nº 4.591/64, sendo levada a registro no Cartório de Imóveis, de modo a conferir mais segurança jurídica a todos os envolvidos (verifique-se, a respeito, os arts. 32 e 39 da Lei nº 4.591/64).
Ocorre que, na prática, há muitos casos em que ainda não existe a incorporação imobiliária, mas é apresentada oferta pela construtora ao dono do terreno, para trocar o terreno por unidades futuras.
É neste contexto que surge o desenho jurídico que, na sua origem, tem a intenção de concretizar uma permuta de terreno por unidades futuras, mas é formalizado por meio de uma compra e venda e outras avenças a ela vinculadas.
Referimo-nos ao modelo que é a “Compra e Venda de Terreno, com Confissão de Dívida e Promessa de Dação em Pagamento”, instrumentalizado por escritura pública.
São celebrados diversos negócios jurídicos de forma concomitante e que devem caminhar juntos.
Assim, o terrenista entrega o terreno à construtora, assumindo esta uma dívida para com aquele, a ser paga por meio da promessa da dação em pagamento com a entrega de unidades futuras.
Segue um exemplo para facilitar a compreensão: a empresa “A” vai comprar um terreno pertencente a “B”, pelo valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). Ocorre que é sabido que “A”, desde o início, não tinha a intenção de pagar o preço em dinheiro, dessa forma, “A” confessa dever o valor a “B” e se compromete a pagar a dívida por meio da entrega futura de apartamentos em prédio que será construído no local.
Percebam que há uma conjugação de negócios jurídicos simultâneos: compra e venda do terreno, confissão de dívida pela construtora, promessa de pagamento da dívida confessada por meio da dação em pagamento com unidades futuras. Pode-se acrescentar uma garantia a esta transação.
Neste modelo, como o terreno passa a ser da construtora, se esta não construir o prédio no local, ou construir coisa diversa do edifício e não entregar os apartamentos prometidos ao terrenista, referido terrenista terá apenas uma dívida confessada a ser cobrada da construtora. Assim, o dono do terreno tem um crédito contra a construtora e terá que executá-lo. Na hipótese, é importante, ao menos, ter uma garantia real, como a hipoteca, por exemplo, para aumentar as chances do dono do terreno de recuperar o seu crédito.
5. Conclusão
É comum proprietários de terrenos, especialmente herdeiros, receberem propostas de incorporadoras/construtoras para trocar seus terrenos por apartamentos futuros em prédios a serem construídos no local.
Quando isso ocorre, existem diversos modelos de negócios jurídicos imobiliários que podem ser utilizados para dar forma à transação.
Dentre esses modelos, tem-se as permutas imobiliárias que podem ser concretizadas no âmbito das incorporações imobiliárias, tratadas neste artigo como permuta física com ou sem torna e permuta financeira.
Na hipótese de ainda não existir a incorporação imobiliária, no momento do surgimento da proposta da construtora ao terrenista para trocar o terreno por unidades futuras, tem sido utilizado, na prática, um modelo que pode ser intitulado de “Escritura Pública de Compra e Venda de Terreno com Confissão de Dívida, Promessa de Dação em Pagamento com Garantia Hipotecária”. Abordamos esse modelo com o fim de relatar uma prática do mercado, sem exercer juízo de valor acerca desse arranjo jurídico e os riscos envolvidos.
Bibliografia:
- BRASIL. Instrução normativa nº 107, de 14 de julho de 1988. Disponível em:http://normas.receita.fazenda.gov.br//sijut2consulta/link.action?visao=original&idAto=14681. Acesso em 15.03.2024.
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- Castro da Rocha, Debora Cristina. A Permuta de Imóveis no Âmbito da Incorporação Imobiliária. Publicação de 09 de março de 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/341384/a-permuta-de-imoveis-no-ambito-da-incorporacao-imobiliaria. Acesso em: 15.03.2024.
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- Mello Junqueira, José de. Condomínio – atribuições de unidades autônomas (só para São Paulo e Interessados). Boletim Eletrônico IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. BE430 – 30.01.2002. Disponível em: https://irib.org.br/boletins/detalhes/3416 . Acesso em: 19.03.2024.
- Motter Borges, Marcos Vinícius. Coordenador. Manual dos Contratos Imobiliários. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, p. 222-253, 2023.
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